Uma das lembranças mais doces da vida é a da minha alfabetizadora, falecida recentemente. Era o tempo da velha escola e daquelas professoras que assumiam uma turma e a entregavam quatro anos depois para a vida ou para o antigo ginásio pronta na leitura e na escrita, nos números e contas, nos rudimentos de história, geografia e ciências. Não é uma lembrança romântica como a de Ataulfo Alves que canta a sua professorinha, mas a marca indelével de quem me abriu os olhos para entender a dança das letras e dos números que me introduziu no universo dos homens civilizados. Esta lembrança e o convívio hoje com professoras que se orgulham de ser alfabetizadoras, mesmo operando a tarefa mais difícil da escola, me enchem de uma certa ternura que se mistura a uma angústia diante dos números frios e alarmantes que acabam de ser divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O primeiro susto me vem da constatação de que o Brasil tem 2,4 milhões de analfabetos entre 7 e 14 anos. Dessa multidão de iletrados, 87,2% freqüentam a escola. Esses vão se juntar aos 30 milhões de analfabetos funcionais com mais de 15 anos e aos 14 milhões de analfabetos puros, despreparados até para rabiscar uma assinatura.
As conseqüências dessa situação são patentes: não temos condições de expandir nossos setores econômicos de ponta e mais distantes estamos das “sociedades do conhecimento”. Assim, será sempre menor a participação do Brasil no intercâmbio internacional de bens e serviços de alto valor agregado. Continuaremos a exportar comodities. O quadro do ciclo de alfabetização certamente é o mais caótico do ensino brasileiro. De nada adiantam novos projetos e melhorias no ensino médio também em crise e nem nos ufanar com o número crescente de universitários e as novas vagas abertas na universidade pública, se é estreita a porta que leva os brasileiros a alcançarem o primeiro degrau da escada que os conduzirá aos pés da árvore do conhecimento.
São sempre importantes os ensinamentos do escritor H. Alden, no poema “Primeiro, as primeiras coisas”, e na educação as primeiras coisas, o degrau impossível de saltar, é a alfabetização. É preciso cuidar desse ciclo, conhecer as causas de seu fracasso e buscar as soluções definitivas para que essa fábrica de analfabetos se torne uma fábrica de letrados. É fácil descobrir por que tantos brasileiros não atingem este primeiro degrau. Temos em primeiro lugar a pobreza das famílias e seu desmoronamento que levam ao desinteresse dos pais, eles próprios analfabetos, em seguida vêem as condições deploráveis de trabalho dos professores sobrecarregados e mal pagos.
Entendo que medidas de emergência devem ser tomadas para que a base de nossa pirâmide educacional não continue liberando tão poucos em condições de superar os ciclos seguintes. Se não é possível eliminar a pobreza em pouco tempo, são possíveis outras medidas eficazes, como cursos gratuitos de especialização em letramento-alfabetização, tempo remunerado para aulas e material didático, um bônus salarial para os alfabetizadores que recompense tanto sacrifício e dignifique sua função na escola. Resumindo: é preciso declarar guerra ao analfabetismo porque com essa pintura da escola fundamental não venceremos esta guerra como diria Pitigrilli ao visitar uma exposição de pintura fascista, a convite de Benito Mussolini. |
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