Subversão do som

O grupo PianOrquestra explora possibilidades inusitadas do piano, seguindo a trilha dos modernistas. Repertório reúne de Villa-Lobos e Cláudio Santoro a Milton Nascimento
Marcelo Castilho Avellar
Carlos Fausto/Divulgação
Músicos do PianOrquestra são a atração de hoje à noite na Casa da Ópera
Ao longo dos séculos 18 e 19, o piano adquiriu sua configuração atual. No processo, alcançou uma condição de supremacia sobre os demais instrumentos clássicos e, graças a ela, tornou-se uma espécie de símbolo da própria cultura erudita. Por essa condição de símbolo, ao longo do século 20 o piano se tornou um dos alvos favoritos dos modernistas: negá-lo ou transformar seus sons em algo diferente se transformou em signo da negação à cultura clássica e ao passado, da iconoclastia, da revolução estética. Foi daí que nasceram os pianos “preparados”, instrumentos em que o mecanismo tradicional era usado para produzir sons de maneiras inesperadas pela colocação de objetos nas cordas, martelos ou entre eles.

No sentido estrito dessa definição tradicional, o subtítulo do DVD do grupo PianOrquestra, Dez mãos e um piano preparado, é quase uma incorreção conceitual: mais do que preparar seu piano, os integrantes do grupo investigam novos modos de se relacionar com ele. Não importa a tal incorreção: a criação que os mineiros têm hoje oportunidade de assistir, em Sabará, é dos trabalhos mais inventivos da música contemporânea brasileira.

O confronto estético pode ser coisa do passado, as vanguardas históricas se tornaram tradições. O PianOrquestra, nesse sentido, trabalha com possibilidades de conciliação. O repertório do DVD, por exemplo, inclui tanto obras recentes, assinadas pelos próprios integrantes do grupo, quanto “clássicos” da música brasileira, popular ou erudita (se é que essa distinção faz algum sentido para o Brasil recente), do século 20: Cláudio Santoro, Villa-Lobos, Toninho Horta, Milton Nascimento, Tom Jobim. O que unifica o repertório é o PianOrquestra, seu conceito singular, a maneira como percebe os sons e sua produção, o fato de que, com eles, a execução das obras deixa de ser apenas música e se torna, antes de tudo, performance e espetáculo.

VIBRAÇÃO E a idéia é extremamente simples: explorar o piano em toda sua potencialidade. Tecnicamente, o piano – tradicional, é bom lembrar – é um instrumento de percussão por meio mecânico. Em sua máquina, o golpe que o pianista aplica nas teclas é transmitido às cordas. Um sistema acessório permite ao instrumentista determinar se as cordas vão vibrar por mais ou menos tempo, com maior ou menor liberdade, com mais ou menos harmônicos. Os integrantes do PianOrquestra também conduzem essas operações. Às vezes. Mas as misturam com outras: tratam a caixa do piano como instrumento de percussão, tocam diretamente nas cordas (como ocorre com os instrumentos da família do violão), friccionam-nas com materiais (aproximando-se, em tais momentos, dos instrumentos de cordas friccionadas, como o violino ou o violoncelo).

Mais do que simplesmente investigar essas alternativas, pesquisam possibilidades dentro delas: a percussão das cordas com os dedos produz som diferente, por exemplo, da percussão das mesmas cordas com baquetas, ou palhetas, ou objetos metálicos jogados sobre elas. No fim das contas, é mais até mesmo que a “orquestra” prometida pelo nome do grupo: o que encontramos é a construção de um “piano conceito”, pronto a pegar o espectador de surpresa em todos os momentos. Inclusive quando algum dos músicos renuncia a todo o aparato e passa instantes tocando o instrumento da maneira tradicional.

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