Pichação e grafite: arte ou crime aos olhos do governo?

A discussão entre o que é arte de rua e o que não é toma contornos mais polêmicos no momento em que o governo lança cartilha contra pichadores Marcos Palhares






A diferença entre pichadores e grafiteiros e a variedade de estereótipos e preconceitos é capaz de incitar algumas atitudes inusitadas e controversas. Uma delas é a cartilha “Como identificar um pichador?”, material complementar ao programa comunitário “Picasso não pichava”, da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF).

Entre outras coisas, o texto alerta para que os pais observem se os filhos dão “preferência por roupas do estilo ‘skatista’ ou ‘grunge’”, que notem o tipo de CDs que eles ouvem (“o estilo de música hip-hop é o que os pichadores mais gostam”, observa) e se os amigos deles “têm apelidos exóticos”. Em certo trecho, a cartilha diz: “Confira os dedos da mão do seu filho. A tinta de spray é de difícil remoção”.

O material não repercutiu bem entre os grafiteiros. “É pejorativo, com toda certeza”, sentencia Rivanilson da Silva Alves, o Rivas, 38 anos, que grafita há duas décadas em Brasília. “Essa cartilha tem muitas coisas equivocadas. A recomendação para que os pais se preocupem com as mãos sujas pelo spray, por exemplo, pode inibir o desenvolvimento de futuros grafiteiros”, argumenta.

Criado em 1999, o “Picasso não pichava” pretendia, segundo seu programa, “diminuir a criminalidade entre jovens envolvidos com gangues e delinqüência juvenil no Distrito Federal ou em situação de risco social de tornarem-se criminosos”. Para isso, propunha estimular o potencial artístico dos jovens como forma de combater a pichação. O projeto, público, tem parceria com a iniciativa privada.

“Há alguns anos, participei de uma atividade desse programa, mas não tive interesse em dar seqüência. Acho que a própria linha que eles adotaram não era a que a maioria dos grafiteiros achava a mais apropriada”, comenta Rivas. “Um projeto desses tem que ser elaborado por quem é da rua, por quem vive diretamente no esquema do grafite e da cultura popular”, opina.

Um dos pontos que chamaram a atenção do grafiteiro brasiliense, na cartilha da SSP-DF, foi o alerta sobre os apelidos. “Como proibir uma coisa dessas? O apelido é uma brincadeira que, quanto a mais a pessoa rejeita, mais pega. E nada indica que, se uma pessoa tem apelido, vai sair pichando muros por aí”, argumenta Rivas. A cartilha alerta: "observe se os amigos de seu filho têm apelidos exóticos, ou se tratam seu filho constantemente por apelido não família. "

Para o grafiteiro Danilo Guedes, o Danone, 23 anos, o apelido é uma característica fundamental no mundo do grafite. “Nós chamamos nossos grupos de banca ou crew. E um dos traços de identificação é justamente o apelido, que surge naturalmente, ninguém escolhe. Alguns são bem comuns, outros fora do padrão”.

A identificação do hip hop como “som dos pichadores” também seria equivocada. “A cultura hip hop engloba uma série de manifestações, como o som, a dança e também o grafite. O conceito é muito mais amplo”, explica Danone. “Tem gente que ouve de tudo, não acredito nessa especificação. Tenho amigos pichadores e penso que a única diferença, além dos estilos, é que nós pedimos permissão para pintar e eles, na maioria das vezes, não”, emenda Rivas.

Procurado para comentar o assunto, o subsecretário de Programas Comunitários da SSP-DF, Normando Feitosa, 41 anos, responsável pelo “Picasso não pichava”, garante que a cartilha será reformulada. “O material é antigo e estamos trabalhando para renová-lo no prazo de 60 dias. Enquanto isso, não temos como, simplesmente, retirar o que está lá”, justifica.

Segundo o subsecretário, a intenção nunca foi a de criminalizar, mas sim de integrar os pichadores na comunidade. “As pessoas que fizeram essa cartilha, no passado, não queriam agredir ou ofender. Vamos verificar se existe alguma característica de discriminação e alterar isso”, promete Feitosa, que ocupa o cargo há alguns meses.

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