Assim como em outros setores da sociedade, as mulheres também têm ampliado sua participação no mundo do grafite. Marcos Palhares
Há 20 anos, por exemplo, o Brasil não possuía nenhuma representante do sexo feminino entre os destaques desse tipo de arte plástica. Hoje, nomes como Miss Van e Nina Pandolfo são referência para uma nova e significativa geração de garotas que estão invadindo ruas, prédios e galerias com estilos bem característicos.
“É natural que seja um ambiente masculino. Os meninos geralmente são criados para ir para a rua, e as meninas, para ficar em casa”, argumenta Kátia Suzue, 28 anos, que começou a grafitar em 2005. “Eu estava na faculdade de Arte e já conhecia um pessoal do grafite, mas não me dedicava a isso. Daí pensei que era mais uma técnica para aprender e resolvi que, para isso, eu tinha de ir para as ruas”.
Para Suzue, a maior dificuldade foi dominar a técnica do spray. “E tem o lance de enfrentar a rua, que é onde o artista cresce. Com o tempo, quanto mais você pintar nas ruas, melhor será o seu trabalho”, ensina. A reação da família, segundo ela, foi positiva. A mãe, que vive no Japão, se emocionou ao ver os desenhos da filha durante uma visita a São Paulo. A avó também incentiva, mas reclama: “Ela dá bronca pelas roupas sujas de tinta”, diverte-se Suzue.
Uma estratégia feminina para furar o bloqueio dos homens, no grafite, é a união em grupos. Suzue é uma das sete integrantes do Grupo Noturna, que, por sua vez, participa da rede virtual Grafiteiras BR. “É claro que é mais fácil encontrar meninos que pintam mas, de dois anos para cá, acho que o número de meninas que fazem esse tipo de arte aumentou pelo menos dez vezes”, avalia Ana Carolina Meszaros, a Tica, 21 anos, que também faz parte do Noturna.
Sua relação com o grafite, ironicamente, começou por causa de um rapaz. “Eu tinha uns 15 anos e minhas amigas costumavam inventar todo tipo de atividade, banda de música, dança, essas coisas. Aí uma delas começou a namorar um grafiteiro e eu, que já desenhava, me interessei”, conta Tica. Autodidata, a artista não freqüentou cursos e diz que demorou “uns dois anos” até desenvolver um estilo próprio.
“A primeira vez que pintei um muro, na estação Barra Funda do metrô paulistano, em 2002, quase chorei”, confessa. “É um material difícil de aprender a lidar e só com muito tempo de pintura vai ficando mais fácil. Sempre gosto mais dos trabalhos mais recentes, pois eles vão evoluindo”. Tica revela que, no início, sua mãe estranhava quando ela saía cedo de casa, com uma mochila pesada e roupas próprias “para sujar”. “Ela não queria que eu fosse grafiteira”, admite.
“Mas depois foi ficando com orgulho e até me contou que às vezes, quando passa de ônibus em frente a uma parede pintada por mim, tem vontade de cutucar os outros passageiros e dizer que foi sua filha que fez”, afirma Tica, entre risos. Uma reação materna ainda mais empolgante foi vivenciada por um dos ícones entre as mulheres que grafitam, Nina Pandolfo, 31 anos. Depois de três anos nesse tipo de arte, em 1994, pintou a dúvida adolescente sobre o que ia fazer na vida. Sua mãe foi incisiva, dizendo que ela seria a melhor profissional naquilo que fizesse com amor, que tivesse satisfação pessoal.
“Ela falou que, por isso, eu teria que seguir o caminho da arte”, lembra Nina, para quem o grafite tem função social. “Acho que o povo não tem tempo ou costume de ir a uma galeria, um teatro. Então, o grafite vai até onde as pessoas estão”. Por esse motivo, uma das experiências mais marcantes de sua carreira ocorreu em Havana, Cuba, há dois anos, quando decidiu fazer grafites em uma vila bem humilde.
“Eu estive com o povo, vi como eles vivem. Uma mulher, maravilhada, contava ao filho que o desenho saía de dentro da lata da spray. Para eles, era algum tipo de mágica”.
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