Depois de escrever sobre as amizades no mundo contemporâneo, dizendo que apesar dos muitos adicionados nos orkuts, na hora de ir ao cinema, ficamos sem companhia, recebi uma tonelada de e-mails. Acredito que foi também por ter falado sobre o real, comparando-o a uma rede de pescaria cujo tecido é composto de uma cordinha fina ligada por nós apertados para não deixar escapar os peixes grandes. O resto são furos.
Assim são nossas amizades e relações, cheias de furos. Embora idealizemos muito as pessoas, elas são apenas o que podem ser e nunca tudo que desejamos. Se não aceitamos isso, estaremos sempre perdendo pessoas, pois não encontraremos alguém sem furos. E os laços construídos entre nós são feitos com a linguagem. Sem as palavras não há nenhuma possibilidade de ligação entre uma pessoa e a outra.
A internet abriu novas formas de comunicação e favoreceu muito o contato entre as pessoas a distância. Quase todos nós contamos hoje com uma caixa de correspondência diária à nossa disposição por meio da qual resolvemos muitos problemas sem sair de casa ou do escritório. É impossível não dar graças por tais facilidades da vida moderna. Ao mesmo tempo em que aumentou distâncias, criou instrumentos para encurtá-las. E comunicação virtual é um instrumento competente.
Ela pode se tornar problema quando não conseguimos priorizar contatos, selecionar demandas e atender somente as que podemos e nos livrar dos invasores, que não são poucos. A grande maioria dos e-mails vem de desconhecidos, alguns tão estranhos que desconfiamos serem tentativas de infestações de vírus cada vez mais potentes. Também pode ser problema se é a única forma de contato entre o sujeito e o mundo.
Quando faz esquecer que nada pode substituir um bom e caloroso abraço, um bom papo, companhia na alegria e na tristeza também. Além disso, momentos de solidão são insubstituíveis para recarregar as baterias. Não dá para viver colado ao outro, isso seria fazer mau uso dele e excluir um espaço vazio, condição para o surgimento do desejo. Este, nós só experimentamos quando alguma coisa nos faz falta. Desejamos o que não temos.
Estava pensando na crença das pessoas de que muitas mensagens recebidas são sinal de que somos muito lembrados, amados e temos companhia. A maioria delas vem de fato de pessoas conhecidas com mensagens filosóficas, religiosas, pensamentos inteligentes e aconselhamentos embalados em músicas e paisagens deslumbrantes. Alguns são mesmo belos.
Um contato para mascarar a solidão, um aceno que não pede resposta e nos protege de uma aproximação maior, o que significa troca de idéias, concordar, discordar, enfim, investir no outro. Poucos trazem as palavrinhas: como vai você? Realmente é perigoso perguntar. Se do outro lado a resposta é que está tudo bem, faz sentir que a grama do vizinho é sempre mais verdinha... Se a resposta é negativa, lá vem desabafo e ninguém quer saber de problemas... Então trocamos mensagens vazias apenas para sinalizar que mantemos um suposto vínculo. Muito tempo para ler e apenas um minuto para esquecer.
Uma leitora diz que na sua família, que se encontra todo dia, o pai envia e-mails todos os dias para os filhos, mas nunca sabe o que está acontecendo na vida deles. A ponto de se surpreender quando um de seus filhos anuncia sua separação. Ficou surpreso porque nem sabia que existia algum problema com o filho, pois não dialoga e nem se dá conta do que ocorre.
Isso ilustra bem certo tipo de relacionamento no mundo de hoje que nos faz sentir como é estar tão perto, porém tão distantes. E o quanto as pessoas ficam isoladas umas das outras, embora estejam conectadas o dia inteiro. Deve ser por isso que as mensagens, assim como os livros de auto-ajuda, têm tanta penetração, contudo são pouco eficientes, pois não resolvem o problema de as relações contemporâneas serem tão solúveis. Talvez seja nostálgico dizer que já não se fazem amigos como antigamente...
E, a julgar pelos muitos e-mails que recebi, é justamente isso o que muitas pessoas estão vivendo e sentindo. A realidade é diferente do espaço virtual, onde podemos ser tudo o que quisermos e excluir qualquer frustração vivendo os nossos ideais. O problema é mesmo a realidade, porque nela não podemos encontrar tudo o que queremos e temos de administrar as pedras que fatalmente encontraremos no caminho, os furos, ultrapassar obstáculos. E isso nunca é tão simples como no espaço virtual. |
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