Hip hop e cidadania

Ribeiro de Abreu - Região nordeste
Com participação em oficinas de grafite, dança, artesanato e esporte, jovens ficam longe da violência, acham o próprio espaço de expressão artística e vislumbram futuro melhor
Glória Tupinambás
Fotos: Renato Weil/EM/D.A/Press

A arte e a cultura das periferias desenham um novo cenário nas escolas de Belo Horizonte. No fim de semana, o palco dessa transformação foi o Bairro Ribeiro de Abreu, na Região Nordeste da capital. As portas da Escola Municipal Paulo Freire foram abertas para as cores fortes do grafite, o ritmo marcante do hip hop e outras oficinas de artesanato e esporte do programa Fica Vivo. Há quatro anos, cerca de 1,2 mil crianças e adolescentes da comunidade participam das atividades do projeto, desenvolvido pelo governo de Minas, com o objetivo de afastar os jovens da violência.


Quero muito ser professor de dança. Comecei a fazer os primeiros passos imitando alguns amigos e hoje já sou craque no jogo de pernas. Troquei as ruas do bairro pela quadra da escola e acho que vou conseguir fazer minha vida assim, dançando

João Batista Evangelista, de 12, dançarino de hip hop



As mãos esbanjam habilidade para manusear tubos de spray. Os pés, longe do chão, estão apoiados no último degrau da escada. E a cabeça abriga um turbilhão de idéias que, aos poucos, dá vida ao mais novo personagem de Gabriel Vitor Chagas, de 12 anos. Conhecido no mundo dos grafiteiros por Saga, ele desenha, no alto muro do colégio, um grande boneco, de olhos arregalados e a boca tapada por uma camisa amarrada ao rosto. “Começo pelo silêncio, mas logo as figuras ganham forma e o desenho vai ficando bonito”, diz. Há três anos ele é um dos alunos da oficina de grafite do programa e sonha em fazer da arte uma profissão. “As aulas melhoraram a qualidade do meu trabalho e aposto que vão me abrir as portas do futuro. Eu podia estar na rua agora, mas estou na escola, investindo em mim.”

Gabriel é um dos aprendizes de Marco Aurélio da Silveira, o Piter, que se orgulha da oportunidade de ajudar no resgate da auto-estima dos jovens. “O mais importante é ocupar o tempo dessa moçada com atividades artísticas, culturais e esportivas. É assim que eles vêem o caminho aberto para desempenhar o papel de cidadão. Alguns já despontaram como grandes talentos para a arte, mas todos se tornaram pessoas melhores”, garante Piter, cheio de paciência para treinar cerca de 40 alunos.

Break-boy

Se o grafite marcou espaço nas alturas, bem no topo dos muros da escola, o hip hop manteve os pés no chão. Ou melhor, não só os pés, como também a cabeça. Em aplaudidas performances, os dançarinos deram um show de talento e contorcionismo numa disputa entre os jovens do Bairro Ribeiro de Abreu e outros seis núcleos do programa Fica Vivo. “Dentro do hip hop, gosto do estilo break-boy. A dança é uma diversão, uma forma de desabafo do corpo. Sonho em fazer uma boa faculdade e ter a arte como uma eterna diversão”, conta Erick Harllen de Oliveira Siqueira, de 19.

Mas a dança de rua não é apenas sinônimo de lazer. Para João Batista Evangelista, de 12, a genuína manifestação cultural dos morros pode ser uma profissão. “Quero muito ser professor de dança. Comecei a fazer os primeiros passos imitando alguns amigos e hoje já sou craque no jogo de pernas. Troquei as ruas do bairro pela quadra da escola e acho que vou conseguir fazer minha vida assim, dançando”, diz. Para o jardineiro Josinei Fernando de Almeida, de 20, o hip hop traduz as angústias e alegrias dos jovens. “A música valoriza a cultura do povo, independentemente de cor ou classe social. Para mim, o hip hop é a forma mais legal de ocupar o tempo todas as noites e durante os fins de semana. É só entrar na quadra, ouvir o som e soltar o corpo”, ensina.

Além do grafite e do hip hop, os jovens que integram o programa Fica Vivo participam de outras 50 oficinas no Bairro Ribeiro de Abreu. As opções vão desde o artesanato com material reciclado, mosaico, figurino e adereço até as mais variadas modalidades esportivas, como o vôlei, futebol e basquete. “Por mais que as estatísticas apontem a queda da criminalidade e do envolvimento com as drogas, o mais gratificante é ouvir da comunidade como essas ações fazem diferença em suas rotinas. Ocupamos espaços públicos antes ociosos na periferia para criar uma relação mais estreita entre os jovens de mesma identidade”, explica uma das técnicas do projeto, Juliana Batista.




A dança é uma forma de desabafo do corpo. Sonho em fazer uma boa faculdade e ter a arte como uma eterna diversão

Erick Harllen de Oliveira Siqueira (esquerda), de 19, dançarino de hip hop

Aposto que as aulas vão me abrir as portas do futuro. Eu podia estar na rua agora, mas estou na escola, investindo em mim

Gabriel Vitor Chagas, de 12 anos, grafiteiro



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