Pichadores agora destroem marcos do grafite em São Paulo


Eles dizem protestar contra "caráter comercial" dos grafiteiros, para quem iniciativa é obra de uma minoria jovem e ressentida

Foram danificados painéis da imigração japonesa na avenida Paulista, em beco na Vila Madalena e no centro da cidade

Choque - 23.out.08/Folha Imagem

RUA 24 DE MAIO
Pichador vandaliza desenho produzido por grafiteiros; pichadores contestam caráter comercial dos grafites em SP


LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
ADRIANO CHOQUE
REPÓRTER-FOTOGRÁFICO

O "pixo" paulistano, famoso pela tipografia pontuda, de difícil decifração, declarou guerra aos grafiteiros e destruiu no último fim de semana três dos mais importantes marcos do grafite da cidade: o imenso painel em homenagem à imigração japonesa, no "buraco" da avenida Paulista; um beco da Vila Madalena; e um painel do Sesc, na rua 24 de maio, centro.
"Viva a Pixação", o símbolo do anarquismo e referências ao filósofo alemão Friedrich Nietzsche, como "Demasiado Humano" e "Além do Bem e do Mal", foram escritos sobre os trabalhos dos grafiteiros.
"Quisemos protestar contra o caráter comercial e capitalista que tomou conta do grafite", disse um membro do grupo à Folha. Ele também esteve no ataque ao andar vazio da Bienal, domingo, quando cerca de 40 jovens picharam paredes e vidros e trocaram socos e pontapés com seguranças no prédio que foi projetado por Oscar Niemeyer e é tombado pelo patrimônio histórico.

"Atropelo"
Os ataques romperam o acordo que sempre existiu entre pichadores e grafiteiros: o de que um não "atropela" o outro, e vice-versa. "Atropelar", neste caso, significa pintar por cima. "O "pixo" é anarquia, é contestação, é confronto. Estamos em busca do confronto artístico, em contraposição ao conforto da arte decorativa e das galerias", defendeu um.
"Para mim, isso é ressentimento mal resolvido. Coisa de pessoas ignorantes que acabam privando a população pobre do acesso à arte de rua, que está lá, exposta gratuitamente", respondeu um dos mais prestigiados grafiteiros nacionais, que se identifica como "Nunca", 25.
A briga foi ensaiada. No dia 6 de setembro, um grupo de pichadores atacou a Galeria Choque Cultural, uma dentre meia dúzia na cidade de São Paulo que se especializou em trabalhos de grafiteiros.
"O grafite virou mainstream total. É arte domesticada, feita para decorar ambientes que querem se passar por modernos", disse um pichador.
Para ele, os muros de bairros como a Vila Madalena (zona oeste) tornaram-se um show-room a céu aberto das galerias. "Eles grafitam nos muros e os playboys vão às galerias arrematar os trabalhos para levar pras suas casas ou escritórios."
Segundo "Nunca", a ação do último fim de semana é obra de uma minoria, gente muito jovem, que desconhece a história comum de pichadores e grafiteiros. "Eu mesmo comecei como pichador, lá em Itaquera [bairro da zona leste], há 12 ou 13 anos. Sempre houve respeito entre pichadores e grafiteiros. A ignorância é que atrapalha."

Latinhas holandesas
"Nunca" é autor de uma série de grafites sobre índios. Expôs na galeria londrina Tate Modern, com a dupla estrelada da "street art" nacional: Os Gêmeos (nome artístico dos irmãos Otavio e Gustavo Pandolfo, também de São Paulo).
"Nunca" tem trabalhos espalhados por toda a cidade. Vive disso. Saiu de Itaquera e hoje mora no Cambuci (centro). "Mas já pintei muito portão de aço, já fiz muita coisa decorativa", diz.
Este é um problema. "A pichação perdeu seu espaço, porque todo dono de muro ou portão, para evitar o "pixo", acabou contratando um grafiteiro, certo de que assim evitaria nossa ação. E eles se venderam."
Dados da Prefeitura de São Paulo calculam em 5.000 o número de pichadores da cidade, a maioria dos quais vive na periferia. Quem passa pelas imediações da galeria Olido, no centro, pode vê-los trocando "autógrafos" escritos no estilo próprio em papel A4, que são arquivados em pastas.
O preço da pichação já distingue o pichador do grafiteiro. Se os primeiros compram sprays vencidos em lojas de tintas, sempre nacionais, os grandes grafiteiros só trabalham com latinhas importadas. As melhores são da marca Montana, espanholas ou holandesas, de R$ 13 a R$ 20 a unidade. Há trabalhos que usam algumas centenas de latinhas.

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