Thiago Soares



Oscar Cabral


Thiago Soares saiu do subúrbio do Rio de Janeiro, onde dançava hip hop, para integrar o Royal Ballet, a tradicionalíssima companhia londrina na qual ocupa hoje o posto de primeiro-bailarino. Aos 26 anos, filho de um vendedor de carros aposentado e de uma dona-de-casa, Thiago mora em Londres e acaba de virar tema de um documentário da BBC. Ele conversou com a repórter Julia Duailibi.

Quando você decidiu ser bailarino?
Tinha 11 anos quando comecei a dançar hip hop em discotecas com o meu irmão. Eu era um moleque criado solto no subúrbio. Passava os dias dançando com um grupo de rua. Quando tinha 16 anos, fiz um teste numa escola de dança no Méier (bairro na Zona Norte do Rio). Ganhei imediatamente uma bolsa integral. No começo, fazia apenas dança moderna. Depois de quatro meses, a escola me obrigou a fazer balé clássico.

E sua carreira profissional?
Foi no Balé Municipal do Rio, como bailarino convidado. Fui subindo aos poucos na companhia. No começo, fazia todo tipo de papel: representava árvore, segurava bichos. Tive uma vida de esforço.

Quando você se deu conta de seu talento especial?
Em 2001, quando disputei em Moscou o mais importante concurso de dança internacional, em que despontaram Baryshnikov, Nu-reyev e Julio Bocca. Ganhei o ouro. A partir daí surgiram vários convites. Consegui um estágio no Kirov, em São Petersburgo, de onde fui para uma companhia de Moscou, já como primeiro-bailarino. Dancei até na Sibéria. Foi bom, mas queria ir para o centro do mundo.

Como se deu o salto para o Royal Ballet?
Uma ex-professora conseguiu agendar um teste. Mas eu estava a dois dias da estréia de Romeu e Julieta, como bailarino convidado, no Rio, e teria de faltar aos ensaios. Aí falei para minha mãe: "Vou ter de inventar uma mentira, vou ter de sumir". Minha mãe disse: "Meu filho, veja lá!". Um professor ajudou, falou que eu estava com virose. Comprei a passagem, arrumei as malas e peguei o avião. Fiz o teste e consegui um contrato. Voltei a tempo da estréia no Rio. As pessoas perguntaram: "Mas você não está doente?". Aí tive de atuar um pouco, colocava a mão na barriga enquanto dançava.

Quais as dificuldades para se adaptar a uma companhia tão tradicional?
O primeiro ano foi muito difícil. Entrei por baixo. Estava no fim da fila. Era como regredir. Essas coisas machucam o ego. Tive minha primeira oportunidade quando um bailarino se machucou. Fui chamado para o papel principal na última hora. Fiz um bom trabalho. "O menino é bom, é forte, é alto", disseram. Dei o xeque-mate.

Sofreu algum tipo de preconceito por ser brasileiro?
Sim, mas não era explícito. Sempre me faziam a seguinte observação: "This is a british company" (esta é uma companhia britânica). O fato de eu ter umas medalhas no bolso me deixava mais tranqüilo. Sabia da minha capacidade.

E o salário?
Não vou mencionar valores. Na Inglaterra, um bailarino ganha até cinco vezes mais que no Brasil.

O que vai retratar o documentário da BBC?
Ele vai mostrar a escola em que cursei balé, no Méier, responsável hoje por uma boa safra de bailarinos. Vai também focar em outro menino, da favela, e fazer um paralelo entre a nossa vida. Espero que o documentário dê visibilidade e um empurrãozinho à dança no Brasil. Faltam público e tradição ao balé brasileiro.

Como é sua rotina?
É estafante. Ensaio das 10h30 às 17h30. Paro uma horinha, coloco a maquiagem e faço a apresentação das 19h30. Mas estou realizado. Se parar de dançar hoje, estarei satisfeito: já fui primeiro-bailarino do Royal Ballet.

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