Capoeira: esporte da rua

Criada pelos escravos africanos nas senzalas, a capoeira sempre fez parte do nosso cenário urbano. Letícia Macedo


Não foi a toa que o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan) passou a considerar a capoeira patrimônio cultural brasileiro. Além de apresentações a céu aberto, nas ruas e nas praças públicas, essa manifestação afro-brasileira se expandiu e freqüenta os mais diversos ambientes, como pontos turísticos, academias, teatros e universidades. Esse processo que levou a capoeira para ser praticada em espaços fechados não é um fenômeno recente, mas não faz com que ela perca o contato com suas origens, segundo especialistas.

A palavra capoeira vem do tupi-guarani e quer dizer mato-ralo, uma referência ao local onde os escravos se reuniam. “A capoeira surge nos poucos momentos que os escravos tinham para descansar. Eles aproveitavam o tempo para se dedicar às práticas religiosas, ao canto e às práticas corporais, como a dança. Dessa forma, eles acabavam por adestrar o corpo, o que era muito útil em caso de combate com capitão do mato”, explica Vinícius Heine, professor de Educação Física do Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (Cepeusp).

“Dum dum dum, capoeira mata um...”

A capoeira passa ser praticada nas cidades seguindo o processo histórico de urbanização, principalmente em Salvador e no Rio de Janeiro. Os negros formavam grupos, chamados “maltas”, e defendiam seus território através da capoeira. Na segunda metade do século XIX, violentos conflitos entre as maltas eram freqüentes e disseminavam o terror nas cidades. Com a proclamação da Républica, o Marechal Deodoro da Fonseca torna a capoeira ilegal, com o decreto 487, que previa pena de reclusão para aqueles que insisitissem em praticá-la. Para escapar da perseguição policial, os negros passam a jogar capoeira em locais mais reservados.

Foi Manuel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, que nos anos 20 e 30 organizou um método de ensino daquilo que ele chamou de Luta Regional Baiana. “Graças aos seus contatos políticos, ele organiza uma apresentação para o então presidente Getúlio Vargas. É nessa época que surge a idéia de um esporte genuinamente brasileiro e a capoeira entra num processo de legalização”, explica Vinícius Heine.

Muito além do esporte

No entanto, a capoeira é muito mais do que uma prática esportiva. “Considerá-la apenas um esporte é restringir demais a sua representatividade no panorama cultural brasileiro. Ela é também arte, luta eficiente, dança, terapia, folclore, educação, lazer, reabilitação e filosofia de vida”, de acordo com o professor Acúrsio Esteves, que é Pesquisador de Folclore e Cultura Popular e autor do livro ‘A Capoeira da Indústria do Entretenimento’. “A capoeira, juntamente com o Candomblé, é o que mais existe de representativo em termos de resistência cultural frente a opressão e ao preconceito que sempre sofreu a cultura afro-brasileira”, afirma.

“A capoeira vem sendo muito utilizada para a formação de adolescentes e transmissão de valores como a disciplina e o respeito”, ressalta Vinícius Heine que lança nesse mês de agosto o livro “Capoeira: um instrumento psicomotor para a cidadania”, em co-autoria com o mestre de capoeira e também professor de Educação Física do Cepeusp Gladson de Oliveira Silva.

“Os jovens têm que aprender a respeitar toda uma ritualística. Eles também vão aprender a se tocar. Isso é muito importante, principalmente, na periferia onde muitas vezes o único toque que eles recebem é quando apanham”, afirma o mestre Gladson que também participa do Projete Liberdade Capoeira, uma escola de capoeira com objetivos educativos que funciona no Capão Redondo, na periferia de São Paulo.

“A roda só para no romper da aurora”

O fato é que a capoeira se difundiu enormemente, inclusive no exterior. É um aspecto da nossa cultura que ganhou muito espaço em vários pontos do mundo.
O baixo custo do material utilizado e a fácil adaptabilidade a diversos tipos de local para a sua prática também contribuiu para isso. A capoeira passou a ser praticada em locais mais elitizados como as academias e chegou até a universidade.

“Não importa se ela é praticada na rua ou em uma academia. O que deve se levar em conta é quem está comandando essas aulas. Se o mestre é preparado e tem uma preocupação em buscar a sabedoria da prática da capoeira eu não vejo incoveniente”, afirma Mestre Gladson de Oliveira Silva.

“Ainda que de certa forma elitizada, ao freqüentar ambientes acadêmicos e grupos sociais de maior poder aquisitivo, a capoeira não perde o contato com suas raízes ancestrais. É com elas que a capoeira sempre dialoga num processo perene de retroalimentação, o que não permite que ela se torne banal”, ressalta Acúrsio Esteves.


Link

Projete Liberdade Capoeira

http://www.projeteliberdadecapoeira.com.br/bemvindo.htm

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