Em defesa da família






CARDEAL D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID

Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro


A família é um tema sobre o qual sempre me agrada refletir, tanto pela beleza dos valores relacionados a ela, quanto pela urgente necessidade de defendê-los, como um tesouro que cercamos de segurança e apreço, diante das ameaças do mundo contemporâneo.
Sabemos que se multiplicam os ataques a tudo o que temos de mais sagrado, dentro da fé e da moral que professamos, a começar pelo descrédito que se quer lançar sobre a família. Isto parte, sobretudo, da mídia, que busca audiência através do sensacionalismo e promove a disseminação de pseudo-valores, carregados de erros e de deturpações.
Por trás disso encontram-se ideologias como o indiferentismo, que rejeita todos os valores, inclusive a religião, e o relativismo, que se pauta por critérios subjetivos, negando a primazia da verdade e do valor do Absoluto. Entretanto, é interessante notar que os próprios defensores do relativismo lhe atribuem grau de axioma, isto é, afirmações inquestionáveis, esquecendo-se de que eles próprios, e seus princípios, deveriam ser considerados, igualmente, relativos.
Na sociedade contemporânea, há grupos poderosos que consideram a instituição familiar como o maior inimigo a ser derrubado. Deturpam o modelo de família, recomendado pelo próprio Deus na sua Palavra revelada e nos valores naturais, inseridos na consciência humana. Opõem-se à civilização do amor, em nome de uma pseudo-liberdade de pensamento que, na realidade, é a imposição de ideologias deletérias.
Há, também, que defender a família contra a mentalidade do “descartável”, que vive no provisório e nada reconhece de estável ou permanente. Hoje, existe um medo de tudo que possa ser rotulado, de forma superficial e preconceituosa, como “mesmice rotineira”. No entanto, não há nada mais gratificante do que se traçar as metas de um plano familiar, no qual existe um sentido de vida plena para todos os seus membros, dentro da lógica humana, da fé e da moral, rumo à finalidade transcendente.
As dificuldades que cercam a sobrevivência da família começam pela situação material de pobreza, miséria até, em que muitas famílias se encontram. Isso, evidentemente, choca a quem quer que se acerque dessa problemática. Porém, o elemento mais desagregador da família é a crise interna entre esposos, ou entre pais e filhos, provocando o chamado conflito de gerações. Os problemas pessoais mal resolvidos, dando origem ao estresse e à depressão, também podem contaminar o ambiente familiar, porque afetam a todos os que nele convivem. São situações lamentáveis.
Além disso, as relações familiares não se sustentam, quando baseadas em concepções errôneas sobre sua própria constituição e sobre o amor. Freqüentemente, confunde-se amor com paixão. Sentir-se atraído pelo que me agrada, me serve ou me dá prazer, não é amor. O verdadeiro amor é um bem-querer sem interesse, gratuito. Aliás, o amor é sempre oblativamente gratuito. Quanto ao chamado amor livre, é uma deturpação da autêntica liberdade. A pessoa é livre para amar a quem escolhe, o que não significa colocar “em leilão” os próprios sentimentos e a entrega de si mesmo, com tudo o que possui de mais sagrado.
Esses desvios têm sido causa de muitas separações. Quando Bispo em São José dos Campos, dispus-me a analisar um pouco mais de perto essas causas, e cheguei à conclusão de que não variam muito. Geralmente, têm suas origens em pequenos conflitos ou discussões sobre problemas de relacionamento, situação econômica, desacordo na educação dos filhos, até meras divergências sobre temperamento. Porém, se não existe o amor sincero, capaz de compreender, perdoar e ceder, os desentendimentos se avolumam, até se transformarem em entraves à relação familiar, como tal.
A família é uma das instituições naturais, que Deus consagrou pelo Sacramento do Matrimônio, acrescentando-lhe valor sobrenatural. Assim, respeitar, proteger e promover a família é colaborar no cumprimento do desígnio divino. Sobre isto, o Papa João Paulo II nos deixou um documento fundamental: a Exortação Apostólica Familiaris Consortio, que trata da Missão da família cristã no mundo de hoje e alerta, inclusive, quanto às situações graves e adversas, que lançam sombras sobre sua estabilidade e seu futuro.
Ao falar da família, Cristo formulou uma ordem definitiva: “Já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe” (Mt 19,6). O amor unitivo entre os esposos é algo de tão sublime, que chega a ser comparado por São Paulo ao amor de Cristo pela sua Igreja (cf. Ef 5,25ss). Se o amor vem de Deus, e a consolidação desse amor, em forma de Sacramento instituído por Cristo, foi recebida com o devido preparo, nada pode dissolver tal união.
Deus coroa esse amor – em via de regra - com a vinda de filhos. Eles são a maior bênção e a maior garantia de estabilidade da família. O papel da criança numa família é fundamental. Ela sublima, enobrece e preenche o amor realizado de seus pais. No meu entender, todos os atos de amor são transitórios; não há qualquer ato ou atitude por mais pura, que seja, permanente, a não ser quando perpetuada, perenizada numa nova pessoa. Podemos, assim, definir um filho como um ato de amor, que perdura para todo o sempre. Desculpem a minha franqueza!
A experiência de família é uma das coisas mais lindas na vida de cada pessoa, e alicerça o desenvolvimento da sua personalidade. Quem atua no campo missionário, ou na vocação sacerdotal ou consagrada, abriu mão de ter o seu próprio lar, para fazer do apostolado, a sua família. Mas sempre conservamos as recordações da infância. Relembro, com saudade e gratidão, a convivência com meus pais, irmãos e irmãs, conversando, às vezes até discutindo, cantando e “musicando” juntos... Estas lembranças, sobretudo dos tempos fortes do Natal e da Páscoa, nos acompanham ao longo da vida toda.
As famílias do nosso tempo atravessam conhecidos momentos difíceis. Mas, são poderosamente sustentadas pela graça sacramental, que uniu os cônjuges e os fortalece na vida em comum e na orientação dos filhos. Este auxílio extraordinário de Deus ajuda a superar os problemas, fortalece a união, consola na dor da morte dos entes mais queridos e nos confirma na esperança.
Dirijo esta palavra de ânimo a todas as famílias, pedindo para elas as bênçãos de Deus, como penhor de paz e de tranqüilidade, especialmente, para as que mais necessitarem.

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