“Mas a ditadura durou o suficiente para fazer da cantiga de Vandré um clássico do panfleto, assim como a linda “Sabiá” se tornaria o hino dos exilados”, escreveu Ruy Castro em artigo publicado na Folha de São Paulo de ontem, 01-10-2008, sobre as duas canções que marcaram a final do festival da canção ocorrido há 40 anos. O Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, foi palco da apresentação de “Caminhando” de Geraldo Vandré e da canção “Sabiá” de Tom Jobim e Chico Buarque e, neste mesmo evento, assistiu 15 pessoas vaiarem a canção vencedora, pois estavam inconformados com a “derrota” de Vandré para “aquela modinha”, com diz Castro, composta pelos dois ícones da música brasileira.
Abaixo você pode conferir as palavras de Castro, assim como dois vídeos com esses “clássicos da ditadura”.
Clássicos da ditadura
Por Ruy Castro
Foi anteontem, há 40 anos, na final de um festival da canção. A vitoriosa “Sabiá” estava sendo vaiada por 15 mil bocas no Maracanãzinho - e aplaudida por, se tanto, 10 por cento disso. A malta não se conformava com que a guarânia de Geraldo Vandré, “Caminhando”, com sua letra explosiva, perdesse para “aquela modinha” de Tom Jobim e Chico Buarque.
Alguém soltou dois sabiás quando o aturdido Tom e a dupla Cynara e Cybele entraram para cantar. A intenção era boa, mas as pobres aves voaram em direção às luzes e, desorientadas, deram uma rasante sobre a platéia - foram capturadas e despedaçadas. Naquela noite, os sabiás eram a alienação, o conformismo, a passividade diante da ditadura.
Vandré, pouco antes, tentara consolar o público com uma frase de efeito: “A vida não se resume a festivais” -embora estes fizessem grande parte da sua, porque ele disputava dois ou três por ano. Nelson Rodrigues, assistindo pela TV, constatou que o rosto de Vandré, em close, não disfarçava o travo pela derrota. “Fosse outro”, escreveu Nelson, “ligaria empolgado para a mãe: “Mamãe! Mamãe! Tirei o segundo lugar!’”.
Ao contrário do que a posteridade daria a entender, os estudantes de 1968 não saíam às ruas cantando “Caminhando” ou qualquer outra. Quem cantava nas passeatas era a borracha da polícia nas costas dos rapazes e moças - e alguns destes, que às vezes se cantavam mutuamente depois que a passeata terminava e o perigo passara.
Mas a ditadura durou o suficiente para fazer da cantiga de Vandré um clássico do panfleto, assim como a linda “Sabiá” se tornaria o hino dos exilados. A música popular tinha essa força - fornecia-nos a trilha sonora e, com isso, nos fazia acreditar que éramos os astros e estrelas dos nossos próprios filmes.
Postado em Sem Categoria |
Nenhum comentário:
Postar um comentário