O direito e a ética

Cobra-se do advogado o acolhimento do sentido maior da tolerância
Márcio Nogueira - Advogado, professor titular na Faculdade de Direito de Varginha (MG)
A criminalidade assusta a população brasileira. São delitos de toda ordem, criando ambiente de tensão. Já não se faz tanta reserva à pena de morte. O tema é velho, mas, na vivência acadêmica, não perde a atualidade. É justificável que seja assim, porque o crime e o criminoso são contemporâneos de todos os tempos. Visto o quadro nessa amplitude, o delito é abominável. Mas do advogado que cuida de causas criminais cobra-se um comportamento de contenção às suas convicções pessoais, exigindo-lhe o Código de Ética, abstração ao seu ponto de vista sobre a culpa do acusado. Quando procurado para o exercício do direito e do dever de defender o delinqüente, é imposto a ele a obrigação de ouvi-lo, dar-lhe crédito e exercitar a plenitude de sua defesa, sem medo de violentar-se e desagradar à opinião pública.

Cobra-se do advogado o acolhimento do sentido maior da tolerância, tão decantada por Eduardo J. Couture, contida na encantadora lição: “Tolera a verdade alheia na mesma medida em que queres que seja tolerada a tua”. Sobral Pinto, inspiração dos advogados, exemplo de ética e coragem, jamais se subtraiu à defesa de seus clientes que praticavam atos contrários às suas profundas convicções políticas, morais e religiosas. Advocacia criminal é ato de coragem, de independência e de humildade.

Compete ao profissional tocar o lodaçal sem sujar as mãos. Parodiando o inesquecível criminalista e colega de turma Ariosvaldo Campos Pires, a defesa do homem impõe-se, sem que se faça a apologia do crime. Henrique Ferri, o grande criminalista italiano, fundador, com Lombroso e Garófalo, da chamada Escola Positiva, execrava o crime. Freqüentou o Tribunal do Júri e, orador vibrante, ora acusava, ora defendia criminosos, entre eles Carlos Cienfuegos, assassino da condessa Hamilton. Em certo momento da monumental defesa, disse aos jurados: “É certo que têm de julgar um homicida. Não peço, por isso, lauréis, mas justiça, que seja feita de verdade e de clemência”.

Ferri, entre notáveis da advocacia criminal, deixou o exemplo de que a opinião sobre o grau da culpa ou do dolo é intransitiva, nasce e morre no interior do profissional, valendo apenas o que ouviu. A ética se faz presente é na transposição daquilo que foi segredado ao profissional para a defesa. Henri-Robert, da Academia Francesa, teve seu livro L’Avocat, traduzido por J. Pinto Loureiro, onde escreve: “...há mil outras (hipóteses) em que o advogado pode exercer sua função, com boa-fé, sem ter de pôr sua dedicação ao serviço do crime, e tendo em vista a Justiça, que não se concebe sem piedade e perdão. O artigo 21 do Código de Ética do Advogado, nem sempre bem compreendido, é de ser interpretado nessa linha herdada dos maiores, profissionais que se cristalizaram no pensamento jurídico e se imortalizaram pelo exemplo de vida prática.

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