A arte do barulho

Convocação geral



Com seu novo disco, A arte do barulho, Marcelo D2 convoca brasileiro a pôr mãos à obra para escrever a própria história. Hip hop com samba dá lugar ao som pesado das guitarras
Mariana Peixoto
Washington Possato/Divulgação

Finda a trilogia hip hop com samba – que rendeu Eu tiro é onda (1998), À procura da batida perfeita (2003) e Meu samba é assim (2006) –, Marcelo D2 foi até o Planet Hemp para confeccionar seu novo álbum, A arte do barulho. Não é um retorno à banda, mas a busca de sonoridade mais pesada, que deixa de lado o sampler e se concentra nas guitarras. “É um disco em que peguei tudo o que fiz até agora, tanto que ele traz guitarra, samba, bossa nova”, afirma D2. Além disso, A arte do barulho não é somente nome do álbum e de sua faixa de abertura, mas também do manifesto que vem no encarte do CD.

A gente vive o tempo do culto à celebridade, o que me deixa um pouco angustiado. Imagine artista que não faz arte, que vive de ser celebridade. E todo mundo querendo saber quem está com quem, quem se separou de quem. Isso é inacreditável. Então, A arte do barulho é um chamado para as pessoas irem para a rua, façam barulho. Afinal de contas, o escritor José Saramago diz uma coisa em que acredito também. Ele diz que não trabalha com a inspiração, que senta em frente ao papel em branco e começa a escrever. Ou seja, a gente tem que trabalhar as idéias o tempo todo, botar a cabeça para funcionar”, afirma D2.

Quando começou a pensar no disco, o rapper só tinha uma certeza: queria muitas vozes femininas. “Se pensarmos nas várias maneiras de se fazer samba, sempre tem um refrãozinho com mulher cantando. Essa era a parada que eu queria fazer. O resto foi pintando.” Todas as 12 faixas contam com alguma participação: Mariana Aydar (Fala sério!); Thalma de Freitas (Ela disse); Zuzuka Poderosa (Meu tambor) e Roberta Sá (Minha missão).

“Tirando a Roberta e a Zuzuka, eu conhecia a maioria. A Zuzuka Poderosa é uma menina que descobri no Myspace, mas nunca vi na vida. O interessante é que todo mundo foi muito solícito. Ninguém chegou dizendo que iria fazer isso ou aquilo. Sempre me perguntaram o que queria”, continua D2. Há outra cantora que não gravou propriamente, mas é presença marcante no trabalho. Desabafo, o primeiro single, traz como refrão o sample de Deixa eu dizer, samba de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza gravado por Cláudia na década de 1970. É, por sinal, um dos raros samples do álbum.

Outro destaque é Afropunk no valle do rap, que marca o encontro de D2 com Marcos Valle. “Há muito tempo estávamos a fim de trabalhar juntos”, comenta (Afropunk é o alter ego de D2). Há, ainda, Seu Jorge (A arte do barulho e Pode acreditar) e Stephan Peixoto, o primogênito de D2 (em Atividade na laje). Nos temas das canções, alguma novidade: Ela disse fala de um primeiro encontro. Vem comigo que eu te levo pro céu, atualmente a faixa preferida de D2, é outra a tratar de relacionamentos amorosos.

Mais uma vez, o rapper convocou o produtor Mário Caldato. Aos 15 anos de carreira e nove discos – quatro com o Planet Hemp, os quatro solo e mais um Acústico MTV –, Marcelo D2 tem uma situação confortável na música pop nacional. Ainda que A arte do barulho não seja inovador como À procura da batida perfeita (traz, inclusive, idéias já exploradas em trabalhos anteriores), mostra que D2 não se acomodou.

“Quando conversei com o meu empresário sobre À procura…, a gente achou que aquele disco não iria tocar em lugar nenhum. Que rádio iria tocar hip hop com samba? Mas aquilo virou a parada. Na verdade, quando a música é boa, é nova, você acaba convencendo as pessoas de que elas têm de ouvi-la. E música é música. Quando vou fazer um disco, c… e ando para rádio, nova tendência. Tento fugir disso, quero é bater de frente com os caras”, conclui D2, que, a despeito do sucesso, parece não ter perdido a essência: ser a favor do contra.

O MANIFESTO

“Quando sinto o impulso, escrevo sem pensar tudo que meu inconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi. É preciso escrever a nossa própria história... deixar de viver o sonho dos outros. Queremos cumprir nossa missão que é fazer algo de verdade que venha do coração. Nós temos a coragem d’Os Afrosambas de Vinicius de Moraes e Baden Powell... a visão de Tom Jobim. Nós queremos modernizar o passado como Chico Science falou. Nós declaramos que não somos só um número e queremos escrever o nosso nome. Não há beleza senão na luta, não há paz sem voz. Nós queremos o direito que é a garantia do exercício da possibilidade. A possibilidade de fazer e de participar. Nosso tempo é hoje! A hora é agora! Então vamos fazer barulho...”

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