Preconceito, falta de identificação racial e resistência dos partidos políticos impedem crescimento eleitoral dos negros no país, segundo especialistas
Júnia Gama e Mário Coelho
Embora 47,3% dos brasileiros se declarem “pretos ou pardos”, segundo dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o movimento negro ainda está longe de ocupar espaço político proporcional à fatia da população que representa.
Preconceito, falta de identificação racial, resistência dos partidos políticos e imaturidade do eleitor são os principais responsáveis pelo insucesso eleitoral dos negros no Brasil, segundo ativistas ouvidos pelo Congresso em Foco. Na avaliação deles, o país ainda está muito distante de, a exemplo dos Estados Unidos, eleger seu primeiro presidente negro.
As barreiras começam nos números. Aliás, na ausência deles. As entidades representativas não dispõem de estimativas de quantos negros ocupam cargos públicos eletivos no país, tampouco sabem quantos eleitos em outubro empunham a bandeira da promoção da igualdade racial. No Congresso Nacional, nem 10% dos parlamentares são identificados como negros.
“A participação é muito tímida por uma série de fatores. Os negros ainda não ocupam os lugares que deveriam ocupar”, opina o prefeito de Suzano (SP), Marcelo Cândido (PT), que foi reeleito em outubro.
Este ano houve a primeira iniciativa localizada para fazer essa contagem. A ONG Educafro, presente em cinco estados, iniciou um levantamento sobre o número de candidatos apoiados pelo movimento negro em São Paulo na eleição municipal. De acordo com a entidade, cerca de 50 dos 300 postulantes por ela apoiados se elegeram vereadores.
Além de Marcelo Cândido, outros quatro prefeitos paulistas afinados com o movimento foram eleitos: Cido Sério (PT), em Araçatuba; Dr. Hélio (PDT), em Campinas; Sergio Ribeiro (PT), em Carapicuíba, e João Luiz dos Santos (PT), em Penápolis.
Resistências
Para o prefeito de Suzano, parte da culpa pelo fracasso eleitoral dos negros é dos partidos políticos. Cândido diz que, na maioria das vezes, os negros são candidatos coadjuvantes, e não protagonistas, por decisão dos próprios comandos partidários. “Não se vê dentro das legendas discussão sobre as questões do negro no país e políticas afirmativas. O PT tem feito isso com um pouco mais de intensidade”, afirma.
Mas existe outro problema ainda mais complicado de se resolver. Uma das mais destacadas personalidades no debate sobre políticas de ações afirmativas para afrodescendentes, o frei David Raimundo dos Santos, observa um fenômeno que considera “estranho” a esse respeito. "Percebemos que o negro ainda tem dificuldade de votar no negro", aponta.
Segundo ele, isso ocorre porque muitos brasileiros se sentem envergonhados em assumir sua identidade racial. "A comunidade brasileira ainda não tem maturidade para o voto étnico", pontua. Mas frei David aponta que essa evolução é uma questão de tempo. Enquanto isso não ocorre, ele vê como necessária a implementação de políticas de cotas obrigatórias.
"Deveria haver um percentual mínimo de participação negra nos partidos. Sem isso, é difícil que as legendas reservem espaço para os negros", alega. Hoje as siglas são obrigadas, por lei, a reservar 30% de suas vagas para a candidatura de mulheres. O percentual, no entanto, raramente é preenchido.
O prefeito de Suzano também vê com preocupação a resistência do eleitor. “Durante a minha campanha, muitos negros se posicionaram contra. E até usavam em seu discurso termos um tanto pejorativos”, lembra. “Muitos negros disseram que votariam em mim depois que escancarei o racismo velado, quase subliminar que sofri na campanha”, diz.
Compromisso
Os dois principais órgãos governamentais de promoção da cultura negra e das políticas de eqüidade racial – a Fundação Cultural Palmares e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) – possuem canais de comunicação com diversas lideranças do movimento no Brasil, mas carecem de dados sobre a presença dos negros no poder.
Mesmo o levantamento da Educafro não se baseou na cor da pele, segundo o coordenador para Políticas Públicas da ONG, Eduardo Pereira Neto. "Apoiamos quem se comprometeu com nossa luta, não importa a raça", conta.
Para garantir o envolvimento do candidato, a ONG convidou os candidatos a participarem de uma sabatina dias antes do primeiro turno das eleições municipais e ofereceu um termo de compromisso com as demandas do movimento para ser assinado. Na capital paulista, os candidatos Ivan Valente (Psol), Soninha Francine (PPS) e Geraldo Alckmin (PSDB) se comprometeram.
Mas os dois candidatos que foram ao segundo turno, o prefeito reeleito Gilberto Kassab (DEM) e a ex-prefeita Marta Suplicy (PT) não assinaram a carta. De acordo com Eduardo, ambos alegaram problema de agenda para cancelar a participação no encontro.
O coordenador da Educafro acredita que o acesso Kassab será mais burocrático, já que ele não se pronunciou formalmente sobre as políticas raciais. No entanto, Eduardo promete acompanhar de perto os passos do prefeito. "Isso não impossibilita o movimento negro de bater à porta da prefeitura e cobrar ações afirmativas para a comunidade negra e para os mais pobres. Vão ser quatro anos de cobrança", promete.
Poucos no Congresso
Também este ano foi realizado o primeiro estudo sobre a presença de parlamentares negros no Congresso Nacional. A equipe do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Sociais (Laeser), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) constatou que, dos 513 deputados federais eleitos em 2006, apenas 46 (8,9%) foram identificados como pretos ou pardos – conforme termo usado pelo IBGE.
No entanto, um fator problemático no Brasil é o método usado para identificar quem é negro. Na pesquisa realizada pelo Laeser, por exemplo, a classificação foi feita por um grupo de cinco estudantes do centro, mais o coordenador da equipe, professor Marcelo Paixão. Eles utilizaram fotografias disponíveis no banco de dados do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para avaliar a raça dos candidatos de 2006.
O critério utilizado foi a análise da textura do cabelo e do tom da pele. Embora reconheça que esse não seja o método mais preciso, Marcelo Paixão defende que, se a identificação da raça estivesse presente no questionário sócio-econômico preenchido pelos candidatos, seria mais fácil realizar pesquisas sobre o tema.
O professor admite que a hetero-classificação é passível de erros, mas diz que, ainda assim, é possível ter uma idéia da baixa freqüência dos negros no Congresso. "Não queremos personalizar o debate, nossa objetividade é social, não biológica", disse o professor, que preferiu não revelar o nome dos parlamentares relacionados.
Cotas polêmicas
Para definir quem será beneficiado pelas políticas públicas afirmativas, que reservam espaços exclusivos para que sejam integrados socialmente, é preciso apontar, primeiro, quem é negro. A dificuldade em identificar a raça no Brasil é uma questão que divide opiniões. Dentro do próprio movimento, há setores contra e a favor do sistema de cotas.
Diferentemente dos Estados Unidos, onde o critério de definição racial é o de ascendência, no Brasil é utilizado o critério da aparência. A histórica miscigenação entre brancos, negros e indígenas do povo brasileiro embaralha a definição.
Utiliza-se, então, em pesquisas governamentais, a autodefinição. Mais uma vez, o método é considerado arbitrário para especialistas. Autora da tese de mestrado “Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito?”, a procuradora do Distrito Federal Roberta Kaufmann acredita que a classificação racial no Brasil não pode ser desvinculada de questões culturais e sociais.
"A autodenominação é muito falha. Leva a casos como o dos irmãos gêmeos da Universidade de Brasília em que um foi escolhido para concorrer às cotas e outro não. Instituir comissões para dizer se a pessoa é afrodescendente é um retrocesso. Isso é um absurdo num sistema que tenta dar uma identificação objetiva para um critério que nunca foi objetivo", aponta Roberta.
Congresso em Foco
Júnia Gama e Mário Coelho
Embora 47,3% dos brasileiros se declarem “pretos ou pardos”, segundo dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o movimento negro ainda está longe de ocupar espaço político proporcional à fatia da população que representa.
Preconceito, falta de identificação racial, resistência dos partidos políticos e imaturidade do eleitor são os principais responsáveis pelo insucesso eleitoral dos negros no Brasil, segundo ativistas ouvidos pelo Congresso em Foco. Na avaliação deles, o país ainda está muito distante de, a exemplo dos Estados Unidos, eleger seu primeiro presidente negro.
As barreiras começam nos números. Aliás, na ausência deles. As entidades representativas não dispõem de estimativas de quantos negros ocupam cargos públicos eletivos no país, tampouco sabem quantos eleitos em outubro empunham a bandeira da promoção da igualdade racial. No Congresso Nacional, nem 10% dos parlamentares são identificados como negros.
“A participação é muito tímida por uma série de fatores. Os negros ainda não ocupam os lugares que deveriam ocupar”, opina o prefeito de Suzano (SP), Marcelo Cândido (PT), que foi reeleito em outubro.
Este ano houve a primeira iniciativa localizada para fazer essa contagem. A ONG Educafro, presente em cinco estados, iniciou um levantamento sobre o número de candidatos apoiados pelo movimento negro em São Paulo na eleição municipal. De acordo com a entidade, cerca de 50 dos 300 postulantes por ela apoiados se elegeram vereadores.
Além de Marcelo Cândido, outros quatro prefeitos paulistas afinados com o movimento foram eleitos: Cido Sério (PT), em Araçatuba; Dr. Hélio (PDT), em Campinas; Sergio Ribeiro (PT), em Carapicuíba, e João Luiz dos Santos (PT), em Penápolis.
Resistências
Para o prefeito de Suzano, parte da culpa pelo fracasso eleitoral dos negros é dos partidos políticos. Cândido diz que, na maioria das vezes, os negros são candidatos coadjuvantes, e não protagonistas, por decisão dos próprios comandos partidários. “Não se vê dentro das legendas discussão sobre as questões do negro no país e políticas afirmativas. O PT tem feito isso com um pouco mais de intensidade”, afirma.
Mas existe outro problema ainda mais complicado de se resolver. Uma das mais destacadas personalidades no debate sobre políticas de ações afirmativas para afrodescendentes, o frei David Raimundo dos Santos, observa um fenômeno que considera “estranho” a esse respeito. "Percebemos que o negro ainda tem dificuldade de votar no negro", aponta.
Segundo ele, isso ocorre porque muitos brasileiros se sentem envergonhados em assumir sua identidade racial. "A comunidade brasileira ainda não tem maturidade para o voto étnico", pontua. Mas frei David aponta que essa evolução é uma questão de tempo. Enquanto isso não ocorre, ele vê como necessária a implementação de políticas de cotas obrigatórias.
"Deveria haver um percentual mínimo de participação negra nos partidos. Sem isso, é difícil que as legendas reservem espaço para os negros", alega. Hoje as siglas são obrigadas, por lei, a reservar 30% de suas vagas para a candidatura de mulheres. O percentual, no entanto, raramente é preenchido.
O prefeito de Suzano também vê com preocupação a resistência do eleitor. “Durante a minha campanha, muitos negros se posicionaram contra. E até usavam em seu discurso termos um tanto pejorativos”, lembra. “Muitos negros disseram que votariam em mim depois que escancarei o racismo velado, quase subliminar que sofri na campanha”, diz.
Compromisso
Os dois principais órgãos governamentais de promoção da cultura negra e das políticas de eqüidade racial – a Fundação Cultural Palmares e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) – possuem canais de comunicação com diversas lideranças do movimento no Brasil, mas carecem de dados sobre a presença dos negros no poder.
Mesmo o levantamento da Educafro não se baseou na cor da pele, segundo o coordenador para Políticas Públicas da ONG, Eduardo Pereira Neto. "Apoiamos quem se comprometeu com nossa luta, não importa a raça", conta.
Para garantir o envolvimento do candidato, a ONG convidou os candidatos a participarem de uma sabatina dias antes do primeiro turno das eleições municipais e ofereceu um termo de compromisso com as demandas do movimento para ser assinado. Na capital paulista, os candidatos Ivan Valente (Psol), Soninha Francine (PPS) e Geraldo Alckmin (PSDB) se comprometeram.
Mas os dois candidatos que foram ao segundo turno, o prefeito reeleito Gilberto Kassab (DEM) e a ex-prefeita Marta Suplicy (PT) não assinaram a carta. De acordo com Eduardo, ambos alegaram problema de agenda para cancelar a participação no encontro.
O coordenador da Educafro acredita que o acesso Kassab será mais burocrático, já que ele não se pronunciou formalmente sobre as políticas raciais. No entanto, Eduardo promete acompanhar de perto os passos do prefeito. "Isso não impossibilita o movimento negro de bater à porta da prefeitura e cobrar ações afirmativas para a comunidade negra e para os mais pobres. Vão ser quatro anos de cobrança", promete.
Poucos no Congresso
Também este ano foi realizado o primeiro estudo sobre a presença de parlamentares negros no Congresso Nacional. A equipe do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Sociais (Laeser), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) constatou que, dos 513 deputados federais eleitos em 2006, apenas 46 (8,9%) foram identificados como pretos ou pardos – conforme termo usado pelo IBGE.
No entanto, um fator problemático no Brasil é o método usado para identificar quem é negro. Na pesquisa realizada pelo Laeser, por exemplo, a classificação foi feita por um grupo de cinco estudantes do centro, mais o coordenador da equipe, professor Marcelo Paixão. Eles utilizaram fotografias disponíveis no banco de dados do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para avaliar a raça dos candidatos de 2006.
O critério utilizado foi a análise da textura do cabelo e do tom da pele. Embora reconheça que esse não seja o método mais preciso, Marcelo Paixão defende que, se a identificação da raça estivesse presente no questionário sócio-econômico preenchido pelos candidatos, seria mais fácil realizar pesquisas sobre o tema.
O professor admite que a hetero-classificação é passível de erros, mas diz que, ainda assim, é possível ter uma idéia da baixa freqüência dos negros no Congresso. "Não queremos personalizar o debate, nossa objetividade é social, não biológica", disse o professor, que preferiu não revelar o nome dos parlamentares relacionados.
Cotas polêmicas
Para definir quem será beneficiado pelas políticas públicas afirmativas, que reservam espaços exclusivos para que sejam integrados socialmente, é preciso apontar, primeiro, quem é negro. A dificuldade em identificar a raça no Brasil é uma questão que divide opiniões. Dentro do próprio movimento, há setores contra e a favor do sistema de cotas.
Diferentemente dos Estados Unidos, onde o critério de definição racial é o de ascendência, no Brasil é utilizado o critério da aparência. A histórica miscigenação entre brancos, negros e indígenas do povo brasileiro embaralha a definição.
Utiliza-se, então, em pesquisas governamentais, a autodefinição. Mais uma vez, o método é considerado arbitrário para especialistas. Autora da tese de mestrado “Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito?”, a procuradora do Distrito Federal Roberta Kaufmann acredita que a classificação racial no Brasil não pode ser desvinculada de questões culturais e sociais.
"A autodenominação é muito falha. Leva a casos como o dos irmãos gêmeos da Universidade de Brasília em que um foi escolhido para concorrer às cotas e outro não. Instituir comissões para dizer se a pessoa é afrodescendente é um retrocesso. Isso é um absurdo num sistema que tenta dar uma identificação objetiva para um critério que nunca foi objetivo", aponta Roberta.
Congresso em Foco
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