Universidade para todos

Abrir vagas na universidade massificada é agravar a situação educacional
Darwin Santiago Amaral, Professor de história
Universidade para todos é um erro porque nem todos os estudantes se interessam pela vida acadêmica, distinguida pela reflexão teórica, leitura dos clássicos e troca de idéias que sustentam debates e publicações. A maioria dos discentes poderia ser beneficiada com cursos técnicos de excelência, que podem promover ganhos individuais e fornecer mão-de-obra qualificada, evitando carência de profissionais. Pesquisas mostram que a educação é um assunto pouco atraente para o eleitor, aquele que escolhe os que definirão a política educacional, reafirmando um nexo entre voto e educação. Os encarregados de produzir a imagem dos gestores públicos sabem que milhões de analfabetos funcionais e outros tantos afastados dos livros passaram e passarão por escolas, com muitos deles cursando faculdades país afora. Com esses dados em mãos, profissionais calibram propagandas que vendem candidatos mais ou menos palatáveis e desinteressados pelo ensino fundamental, cuja importância não os elegeu.

Abrir vagas na universidade massificada, como paliativo dos problemas do ensino básico, é agravar a situação educacional. A questão atinge, também, as Forças Armadas, porque o funcionamento delas exige equipamentos que só podem ser operados por gente com conhecimento, instruída e treinada, que, obviamente, não brota do nada nos quartéis, nem emerge sem comportamentos adequados. O Estado precisa reduzir custos e investir na investigação científica, garantindo condições de prosperidade. Elevar padrões educacionais significa enfrentar elementos desestabilizadores do sistema: insegurança dentro da escola e em suas imediações; pobres opções de lazer do alunado; gravidez na adolescência; cultura da cópia; ingerência do tráfico na vida escolar; crenças errôneas acerca da atividade docente, entendida como mera aplicação de técnicas didáticas desconectadas da cultura, além de salários baixos, rotatividade e evasão do corpo docente, corporativismo, clientelismo, greves, politicagens e feiúra dos prédios escolares. Como se pouco fosse, é preciso encarar o conservadorismo machista: em um país em que músicas e coreografias picantes são onipresentes, muitas professoras temem apresentar aos seus alunos Davi, de Michelângelo, ou O beijo, de Rodin, por medo da reação das famílias; e Jorge Amado e Paulo Lins são retirados da estante sob a alegação de que suas obras são inadequadas à juventude.

Ocultando os problemas do fundamental, o ensino superior massificado tem sido incapaz de cumprir as promessas da universidade, se assemelhando a um produto descartável e intrinsecamente distante da pesquisa científica, que requer intensos investimentos de tempo, livros, diálogos, dinheiro, avaliação externa e muita crítica. A universidade para todos existe quando a reflexão teórica enriquece a sociedade e promove a participação cívica, além de produzir conhecimento, inovar, apontar opções, interagir com o mercado, que não pode ser negado, e auscultar a sociedade. O cidadão sabe que a universidade, sendo pública, nunca é de graça.

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