Fotos: Marcos Michelin/EM/D.A Press | | A cabeleireira étnica Núbia Sidonio reconhece que preconceito existe entre os próprios negros, pois muitos não querem aceitar sua raça | Um país que levanta a sua bandeira, orgulhoso pela sua miscigenação, é também uma pátria de desigualdade racial. A contradição é brasileira, está nas escolas, nas ruas, na saúde, nas universidades. “O racismo do Brasil é um tributo que pagaremos eternamente pela nossa história”, define o diretor de Cooperação e Desenvolvimento do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), Mário Theodoro, que também é organizador do livro As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil 120 anos após a abolição, lançado ontem, no Dia Nacional da Consciência Negra. Em 180 páginas, um apanhado de trabalhos de quatro pesquisadores do instituto, a obra retrata a história dos negros na sociedade durante esses anos e faz um diagnóstico dos afro-descendentes hoje.
Um dos trabalhos apresentados no livro retrata, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2007, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a realidade dos negros no Brasil. Segundo a obra, em 2007, a população negra superou a branca, pois 49% se identifica como preta ou parda, uma crescente nos últimos anos. Mesmo considerando as altas taxas de fecundidade para mulheres pretas e pardas, o avanço, segundo o estudo, está no orgulho da identidade. “Em algum momento, entre 1996 e 2001, há o início de um processo de mudança em como as pessoas se vêem. Passam a ter menos vergonha de dizer que são negras; passam a não precisar se branquear para se legitimarem socialmente. Isso é um processo surpreendentemente linear, surpreendentemente claro e, ao que tudo indica, ainda não terminou”, diz o estudo, que credita a essa realidade a influência do Movimento Negro.
“Hoje em dia, as crianças negras não têm mais vergonha do cabelo, fazem tranças e se sentem valorizadas. À medida que o debate da identificação racial ganha as páginas dos jornais e a sociedade vê que é um tema legítimo, que negros são apresentados nas telenovelas como personagens poderosos, e não apenas empregados domésticos, essa identidade se fortalece”, avalia Mário Theodoro, ao acrescentar que não é que o Brasil esteja se tornando uma nação de negros, mas, sim, “está se assumindo como tal”.
No entanto, esse orgulho esbarra no racismo que ainda persiste no país, refletindo na diferença de renda entre negros e brancos, e na escolaridade. Segundo o livro, os afro-descendentes têm menos que a metade da renda domiciliar per capita de brancos. Contudo, é notado pelos pesquisadores que essa desigualdade está caindo. Num período de 20 anos, (1987-2007), de acordo com a PNAD, a diferença começou a cair depois de 2001. De acordo com a obra, a conclusão é que essa redução tenha se dado pelo fato de os negros serem a maioria entre beneficiários do Programa Bolsa-Família, benefícios previdenciários indexados ao salário e outros mecanismos.
Diante dos dados, há uma perspectiva de que a igualdade racial na renda domiciliar ocorra em 2029. “Mesmo assim, infelizmente, acho que até lá a situação será a mesma”, reconhece Mário Theodoro, que justifica dizendo que a tendência é verificada nos últimos 10 anos, em que houve o aumento do salário mínimo e dos benefícios. Porém, a velocidade para essa redução é lenta e, pelo visto, estará estagnada. “Faltam políticas públicas para acelerá-la”, afirma.
A obra aborda o racismo institucional, apontando que os negros têm mais dificuldades do que os brancos de aprenderem, “porque os professores não lhes dão a mesma atenção”. É nesse contexto que Mário não acredita na cotas das universidades públicas ditas para afro-descendentes. “Mais da metade dessa população não chega ao 2º grau. Esse sistema não é para eles, mas para uma classe média baixa”, diz. |
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