Embora tenham refluído as atitudes explícitas de preconceito racial no país, injustiça e discriminação persistem na prática
DIMINUI o preconceito racial na sociedade brasileira. Tomada isoladamente, a frase tende a despertar algum ceticismo. Já foi dito que "o Brasil não é para iniciantes", e a complexidade do fenômeno desautoriza, por certo, conclusões triunfalistas.
Diversos dados da pesquisa Datafolha, publicada em caderno especial nesta edição, oferecem todavia motivos para comemoração. É assim que em 1995, data do levantamento anterior, 43% dos entrevistados diziam nunca ter tido namorado ou cônjuge de cor diferente da sua. A proporção caiu para 34%.
Também diminuiu o número dos que concordam com frases de teor abertamente racista. Eram 43% os que aceitavam, em 1995, a idéia de que "as únicas coisas que negros sabem fazer bem são música e esporte". Hoje, são 20%. Não é pouco; mas vale registrar que opiniões desse gênero se concentram nas faixas de menor escolaridade e de idade mais avançada.
Seria de todo modo exagero concluir desse dado que o preconceito racial está com os dias contados no Brasil. Embora contribuam para diminuí-lo, as preocupações "politicamente corretas" não impedem que o racismo adquira novas sutilezas de formulação.
Com efeito, a presença do preconceito é inequívoca em nossa sociedade, como apontam vários depoimentos transcritos no caderno. Do olhar desconfiado com que um negro é recebido numa loja à discriminação violenta que pode vitimá-lo em situações de abordagem policial, a prática do racismo se dá em nossa sociedade conforme um gradiente variado de intensidades e circunstâncias, que independe de formalização ideológica consciente para se manifestar.
De resto, a injustiça que se abate sobre os afrodescendentes, e sobre os negros em especial, é um fenômeno que não se explica apenas pelo preconceito de que ainda são vítimas.
Em entrevista à Folha, o sociólogo Simon Schwartzman ressalta que, num mesmo nicho profissional, pode variar o tipo de clientela e a qualidade da formação educacional de negros, de mulatos e de brancos. O resultado, que a pesquisa atesta, é uma pior remuneração para os negros, sem que isso indique, necessariamente, preconceito por parte de quem contrata ou não os seus serviços.
Apesar dos progressos verificados na pesquisa, a desigualdade racial persiste. O tempo de negar o problema por meio de subterfúgios retóricos, felizmente, já passou.
Menos do que discutir se "existe ou não racismo" no país, trata-se de enfrentar as várias faces da desigualdade social. O que não pressupõe, vale lembrar, políticas de cotas compensatórias, afirmações artificiais de "negritude" e divisões identitárias radicais numa sociedade que cada vez mais se vê como mestiça. O caminho é a adoção de políticas universais em prol de uma verdadeira igualdade de oportunidades, que não discriminem ninguém pela cor que tenha -ou que deixe de ter.
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