Por aproximadamente dois anos, a Avenida Cristiano Machado recebeu pesados investimentos públicos para se tornar a principal porta de entrada de Belo Horizonte. Nos últimos dois meses, foi a vez da reforma dos túneis da Lagoinha, que ganharam um barrado de azulejos brancos e uma limpeza geral. Semanas depois da inauguração, viadutos, passarelas, muros de arrimo, abrigos de ônibus, placas de sinalização e a parede dos túneis foram tomados por rabiscos. De carro, o mais devagar possível, a equipe do Estado de Minas conseguiu contar cerca de 7 mil blocos de pichações em 13 quilômetros da avenida. Trata-se apenas de um exemplo. A cidade inteira está tomada pelo egocentrismo desses delinqüentes. Eles se organizam em gangues que recrutam desde maiores de idade de renda baixa a adolescentes de famílias abastadas, segundo a polícia e o Ministério Público Estadual.
Criada em junho deste ano, a Promotoria de Combate aos Crimes Cibernéticos, sob a coordenação da promotora Vanessa Fusco, identificou 10 gangues de pichadores em atividade na Zona Sul. Armazenou cerca de 300 mensagens postadas no Orkut. No site de relacionamentos há imagens dos próprios pichadores em ação feitas por comparsas, exibição de armas de fogo, munição, dinheiro e substâncias apresentadas como cocaína e maconha. A promotoria já sabe a identidade de boa parte dos infratores. São residentes da própria Zona Sul e alunos de colégios caros. Diante da vista grossa dos pais, promovem reuniões nas próprias casas para planejar e comemorar as pichações.
No outro extremo social e geográfico, Jefferson Tadeu Costa Souza, de 24 anos, e Evandro Gomes de Carvalho, de 22, saíram de casas do Palmital e do Frimisa, bairros populares do município de Santa Luzia, na Grande BH, na madrugada do último dia 29. Levavam numa mochila três rolos estreitos para pintura e uma garrafa PET cheia de tinta preta. Na mão de um deles, um cabo de vassoura. Escalaram um muro e invadiram o salão de festas no primeiro andar de um prédio da Avenida Cristiano Machado.
Um defeito na fechadura permitiu à dupla chegar à escada do edifício residencial. Subiram os 10 andares, entraram por um alçapão até alcançar a caixa d’água. Um vizinho viu a invasão e chamou a polícia. Os pichadores foram pegos dentro do prédio. Não tinham antecedentes criminais. Na delegacia, Jefferson apresentou-se como instrutor de auto-escola e Evandro, como técnico em química. Depois de lavrado o boletim de ocorrência, foram liberados. Terão de se apresentar quarta-feira no Juizado Especial Criminal. Provavelmente faltarão. O Estado de Minas não conseguiu encontrá-los nos endereços que forneceram à polícia.
OMISSÃO O Artigo nº 65 da Lei de Crimes Ambientais, editada em 1998, prevê pena de três meses a um ano de prisão acrescida de multa para quem “pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano”. No caso de bens tombados como patrimônio histórico, a sanção mínima sobe para seis meses. A legislação brasileira estabelece que penas de até dois anos de prisão são competência dos juizados especiais. Podem ser convertidas por acordo em multa, reparação do dano, o que inclui obrigar o pichador a limpar o local atingido, e prestação de serviços à comunidade. O procedimento é conhecido como transação penal. O infrator não fica com a ficha suja, mas não pode fazer outro acordo do tipo em cinco anos. Se reincidir nesse intervalo de tempo, responderá a processo e terá a condenação registrada no prontuário.
A juíza Flávia Birchal, do Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte, diz que, embora a pena seja leve, o enquadramento legal vigente do crime de pichação permite uma ação corretiva e pedagógica da Justiça. Até porque, diferentemente de quando era considerado crime de dano, independe de queixa do proprietário do imóvel danificado. “Basta uma testemunha denunciar ou a própria polícia flagrar para o Ministério Público dar andamento”, explica a juíza. Ela lamenta que pouquíssimos casos cheguem ao juizado. “Há pouco empenho da sociedade em denunciar os pichadores que também não estão entre as prioridades da polícia”, avalia Flávia Birchal.
Para os menores, a impunidade é ainda maior. Há três anos e meio no Juizado da Infância e da Juventude, a juíza Valéria Rodrigues diz que só recebeu dois casos de pichação. “Descobri que foram os únicos no período, depois de consultar os meus colegas de Juizado”, afirmou. Segundo ela, as medidas corretivas para menores são as mesmas previstas para os adultos. Na verdade, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, o tratamento pode ser mais rigoroso. Se a medida sócioeducativa for descumprida, cabe a internação (prisão) do infrator por até três meses. “Infelizmente, boa parte da responsabilidade é dos pais, que parecem não enxergar os respingos de tinta no corpo e nas roupas dos filhos, que tampouco encontram resistência para passar madrugadas na rua”, comenta Valéria Rodrigues.
Para denunciar crimes praticados na Internet, acesse o site www.mp.mg.gov.br\crimedigital
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