Uma instituição imperfeita

"Felizmente, temos na psicanálise instrumentos para compreender pelo menos parcialmente a violência deste mundo"
Regina Teixeira da Costa
E-mail para esta coluna: reginacosta@uaivip.com.br
Todos os dias costumo assistir aos telejornais exibidos de manhã. Priorizo esses matutinos porque neles temos notícias recentes com as mais baixas taxas de violência do dia. Ultimamente, ando tomando uns sustos porque a violência avançou com força nesses horários também.

Fica claro que notícias desse tipo devem ser muito consumidas e apreciadas, a notar pela insistência das emissoras nesse apelo, e pelo aumento do número de exposição de tragédias na TV. Não que eu seja uma alienada ou coisa que o valha, sei das más notícias também, mas tem horas que exageram.

Sempre penso: o que muda na vida do cidadão saber dos atropelamentos com riqueza de detalhes? Por que devemos saber que criminosos assaltaram uma padaria? Qual a finalidade desse tipo de matéria? A resposta que me vem é que justifica a audiência: alguém ganha com isso. E, assim, o mundo vai rolando sem que saibamos em que isso vai dar. Qual é o futuro do ódio?

O problema é que seja banalizado. Isso sempre choca. Espero nunca precisar de usar armadura contra o sofrimento, como ocorre com alguns médicos da saúde pública. Mas é que notícia sobre os abusos e excessos toca, estamos também sujeitos na vida.

A reportagem: três adolescentes de classe média alta, universitários, foram a uma festa, uma tremenda baladona pelo que me pareceu e, no agito da madrugada, o sangue ferveu, já nem se pensava, cometeram um crime hediondo. Beberam e sabe-se lá o que mais pode ter ocorrido – poderia ter sido um surto psicótico, mas pelas características me parece pouco provável –, estupraram e mataram uma moça em grupo. Um passava para o outro e todos compartilharam do ato de assassinato no festim macabro.

Felizmente, temos na psicanálise instrumentos que nos oferecem recursos para compreender pelo menos parcialmente a violência deste mundo. Claro, existem as inexplicáveis. Não se trata de ser bom ou mau, a questão é até onde somos capazes de ir em determinadas circunstâncias. Nos crimes passionais é assim, mata-se por amor. Nesses casos mata-se por ódio. Puro e destilado ódio.

Penso nas famílias e no sofrimento causado pelos filhos que, apesar de receberem educação, ainda assim cometem esse tipo de ato bárbaro. Então faltou amor? Nem isso podemos afirmar, porque não se mede amor recebido e dado. Com certeza faltaram limites. Há, no entanto, algo que ultrapassa o estímulo e a resposta, nem sempre tudo o que ensinamos é aprendido pelo outro. Os pais não podem ser responsabilizados integralmente por tudo que dá errado na vida dos filhos, e eles terão de se responsabilizar por seus atos como adultos. Suponhamos que cada um deles tenha irmãos da mesma mãe e pai, criados da mesma maneira. Serão todos inclinados aos mesmos atos?

Claro que não. O poder dos pais só vai até certo ponto, não é total, embora alguns queiram manter os filhos totalmente sob controle. Outros são omissos. O excesso, seja ele do que for, até de amor, faz mal. O excesso de amor torna as pessoas enganadas a respeito de seu valor. A atenção, proteção e amor quando exagerados produzem um engano desastroso: os filhos se acham grandes preciosidades e são incapazes de manter a noção de que há limites e frustrações com as quais todos têm de lidar. Até os próprios pais, e como! O contrário também vale: há quem se sinta uma porcaria, já que não houve espaço e atenção subjetiva suficiente. E, muitas vezes, não houve mesmo. Mas, pensando bem, depois de uma certa idade é preciso deixar de lado as queixas contra os pais e seguir fazendo. A responsabilidade é toda sua.

E quem pode creditar todos os fracassos e sucessos aos pais, esquecendo-se que cada um é sujeito de si e deve arcar com as conseqüências? Fazer oposição aos pais na adolescência é bom, porque mostra que já querem pensar sozinhos, mas tudo tem limites.

A família é uma instituição, como qualquer outra, imperfeita, cheia de falhas. E dela não se pode sair ou pedir demissão. Nenhum pai ou mãe é perfeito, onipotente ou onisciente, ou pode saciar a demanda do filho. E nem é bom tentar, é preciso faltar para existir desejo. Viver eternamente infeliz pelo que nos fizeram não é boa medida. Para viver bem, é necessário um ato particular, singular e intransferível. É decisão de cada um. Faça você a sua.

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