'Beleza, que beleza? Na favela'

Jonas Pasck cutuca a Record: 'Beleza, que beleza? Na favela'


“Beleza na Favela” é o nome de um quadro do programa Hoje em Dia, da TV Record. A idéia é fazer um concurso, mais uma distinção hierarquizada entre o que é bonito e o que é feio no mundo. Ou melhor, que boca tem mais valor, que cabelo faz mais sucesso, que cor é a certa...

Por Jonas Pasck*, no site da Caros Amigos



O programa visita os estados do Brasil em busca de uma candidata, que represente seu estado na final do quadro. Na final, das representantes de cada estado, uma será eleita como representante da beleza da mulher da favela no Brasil.

Em cada estado o programa visita por volta de cinco comunidades carentes, de onde escolhem uma representante que viajará para São Paulo, a cidade maravilha em termos de competição e hierarquização. Ah... com todas as despesas pagas...

O primeiro registro histórico que se tem de favela no Brasil data do ano de 1897. Foram precisos 111 anos para que a mídia percebesse que existe beleza na favela e desse um jeito de explorar. E eis aqui a beleza da favela da Record: alta, magra, cabelos lisos, bem lisos... narizinho fino e pele escura... claro...

“Beleza da favela?” Um estereótipo de beleza que tenta namorar da melhor maneira possível com o estilo europeu possível nos países tropicais: tem pele escura, representando nosso escaldante sol, mas tem cabelo liso, tem nariz fino... ah... e é magra, muito magra...mas e aí? É isso a representação da beleza da favela?

Como se representar a verdadeira beleza do povo negro, ou as grandes belezas exóticas — originadas da miscigenação de três etnias, índios, negros e brancos — tão característica do povo brasileiro, se os únicos traços de beleza que a mídia busca são aqueles que se assemelham aos do branco, europeu ocidental?

Em sua hipocrisia, a mídia até tenta disfarçar seus anseios discriminatórios, mas tropeçam em suas próprias pernas ao criarem um quadro onde se encontra implicitamente estampada a discriminação étnica. Ao elegerem a beleza da favela, talvez tenham se sentido desconfortáveis na escolha de uma representante de pele branca, pois se está incutido no imaginário do povo brasileiro que negro e favelado são sinônimos.

Assim, dentro de uma lógica hipócrita e discriminatória da mídia, quem melhor para representar a beleza da favela que uma mulher de pele negra? Mas claro, cabelo liso, e nariz fino... que ninguém quer por ali o “cabelo ruim e narigão”

A busca de uma candidata de pele negra com traços característicos do branco, europeu ocidental, atende a uma política que reforça a hierarquia da beleza branca, que se articula na mídia desde o inicio das telenovelas. Em um país em que mais da metade da população já não é mais branca fica estranho entender como o lugar social dos negros na mídia ainda esteja ligado a um papel resignado, de inferioridade em relação ao branco.

Coincidentemente, enquanto escrevia este artigo, observei na televisão um comercial de determinado supermercado onde aparece uma dezena de figurantes, nenhum deles negro. Onde o negro está sendo representado? Em papéis inferiores nas novelas como empregadas domésticas? Bandidos ou marginais, capachos, capangas ou seguranças em filmes? Quando aparece em uma camada social mais abastada é um político corrupto? Em programas que buscam eleger a beleza da favela, mas nos padrões mais branqueados possíveis? O problema é que o negro só tem destaque na mídia no papel de negro, não é mais um personagem como outro qualquer, ele é o “negro”.

Seriam mesmo esses personagens estereotipados a imagem do negro no Brasil? O que ocorre é a depreciação do negro, em seus traços de beleza e cultura, advindo de um espírito discriminatório e preconceituoso, encobertos pelo discurso de uma suposta democracia étnica, fruto de 400 anos de escravidão e mais cem anos de exploração do trabalho negro, que por 500 anos carregaram com braços fortes as estruturas deste país, produzindo riqueza para o homem branco e, como recompensa, tendo seu papel na história sempre resignado a um segundo plano.

Isto tudo para nos atermos somente às injustiças com os negros. Mas e as outras pessoas que não se encaixam neste estereótipo de beleza imposto pela mídia? Não teriam essas pessoas um traço de beleza que lhes é peculiar, onde se está sendo representado as outras belezas do nosso povo?

A “ditadura das passarelas”, que a mídia enaltece com uma aura de glamour e elegância, impondo ao resto da sociedade um padrão de beleza, que deve ser tomado como verdadeiro, e resignando o conceito de beleza aos traços do europeu ocidental (branco, magro, cabelos lisos, nariz fino). Cria-se então um mercado da beleza. E os especuladores não deixam de tirar proveito mais uma vez dos sonhos do povo brasileiro.

Quando vamos começar a olhar a beleza do Brasil como ela de fato é, e parar de olhar como deveria ser? Negro, branco, índio em uma miscigenação que torna particular a beleza do povo brasileiro. Sem padrão descobre-se uma variedade de belezas tão magníficas, e exóticas, quanto as do padrão que se impõe.

* Jonas Pasck é estudante de História


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