Gleice Barral - 5º período de Direito PUC Minas
Ao longo dos tempos, em vários casos envolvendo infidelidade conjugal, decisões judiciais reconheceram a existência da discriminante “legítima defesa da honra”, invocada em beneficio do cônjuge ultrajado que agredia, e até matava, o outro cônjuge ou seu amante, depois de surpreendê-los em flagrante adultério. E hoje? Será que o cônjuge traído poderia alegar que agiu em legítima defesa da honra para, assim, afastar a punição decorrente da prática delituosa?
Nos termos do artigo 25 do Código Penal Brasileiro, “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Depreendem desse dispositivo legal os requisitos necessários à existência da legítima defesa: a agressão; a reação moderada; o conhecimento e a necessidade de se defender da ofensa.
A legítima defesa é reconhecida, portanto, quando se reage a uma agressão que está sendo desencadeada, que está prestes a ocorrer, ou quando, de fato, apresenta-se um perigo concreto. Noutras palavras, não há legítima defesa contra agressão futura, remota, e que possa ser evitada por outros meios.
Deve-se realçar, também, outro pressuposto: na reação, deve o agredido usar de moderação no emprego dos meios necessários, assim entendidos como aqueles que o agente dispõe no momento da repulsa.
Encontrado o meio, o indivíduo deve agir com moderação, a fim de não ir além do que é preciso para evitar a lesão do bem jurídico protegido (no caso, a sua honra). Se transpostos os limites, desaparece a legítima defesa e surge o “excesso culposo”.
O conhecimento da agressão e da necessidade da defesa é outro requisito de grande importância. Portanto, aquele que se defende tem que conhecer a agressão atual e ter o animus defendi, isto é, vontade de defesa.
Feitas as colocações, podemos dizer que não mais encontramos o entendimento fortemente arraigado de que o adultério da mulher fere a honra do marido. A doutrina e jurisprudência existentes não acolhem a invocação de infidelidade nem reconhecem a discriminante nessa situação, alegando a sua incompatibilidade com os requisitos do artigo supramencionado (artigo 25-CPB).
De fato. Como a reação na legítima defesa deve ser preventiva, impedindo a deterioração ou extinção do bem jurídico, teríamos, nas situações de adultério, contrariamente, verdadeira vingança, pois nesses casos já houve a agressão à honra: se alguém diz ter uma honra a proteger, o bem já foi lesionado, pois o fato ocorrido já terá chegado ou chegará ao conhecimento de outras pessoas.
Além disso, há incompatibilidade da legítima defesa com relação à subjetividade dada ao bem jurídico honra. O “bem honra”, por ser personalíssimo, talvez não possamos estipular a dimensão de seu valor a cada pessoa. No entanto, não devemos sobrepor o bem jurídico honra ao bem jurídico vida, já que esse último é pressuposto básico para a existência e usufruto dos demais bens tutelados pela lei, inclusive a honra.
Em muitas situações pode prevalecer, na verdade, o reconhecimento da justificativa de violenta emoção ou perturbação de ânimo daquele que se sentiu traído. Todavia, essa alegação apenas atenua o crime, não exclui o fato típico. Importante consignar que tal entendimento não significa que a honra deixou de ser protegida juridicamente. Pelo contrário. Assim como a vida, o patrimônio e a liberdade, a honra é também um bem e, da mesma forma que os demais, pode ser defendida contra agressões. No entanto, com certos limites.
Aliás, há outros caminhos na legislação brasileira para a preservação da honra do traído e que não representam necessariamente a agressão física ou, mesmo, a morte de um dos cônjuges.
O Código Civil Brasileiro dispõe que a “ação de separação judicial pode ser proposta por qualquer um dos cônjuges quando imputar ao outro comportamento desonroso ou qualquer ato que implique grave violação dos deveres do casamento, tornando impossível a vida em comum”. Assim, a lei admite que desapareça entre os cônjuges a obrigação de coabitação e confere ao cônjuge ultrajado o direito de viver separado.
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