Trabalho e desigualdade

Flávio Constantino - Professor de economia da PUC Minas
Nos últimos anos, o Brasil logrou reduzir a desigualdade de renda em função da estabilidade, dos programas de transferência de renda e da criação de empregos. Esse último ponto merece um pouco mais de atenção, uma vez que a queda da taxa de desemprego foi motivada por taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) superiores às registradas nas décadas de 1980 e 1990. Mas até que ponto o mercado de trabalho contribuiu para a redução da pobreza? De acordo com os trabalhos de Ana Flávia Machado e Rafael Ribas (Mudanças no mercado de trabalho retiram famílias da pobreza?) e Marcelo Néri (Você no mercado de trabalho), a resposta não é muito alentadora. A pobreza resulta, basicamente, de duas condições: ou o país não tem as condições suficientes para atender as demandas sociais (insuficiência de recursos) ou decorre da péssima distribuição de renda. O Brasil se encaixa no segundo caso, uma vez que temos uma das maiores economias industrializadas do mundo. Nossa incompetência está na repartição e a dinâmica do mercado de trabalho nos ajuda a compreender tal fenômeno social.

O que os trabalhos demonstram é que crescimento econômico e redução do desemprego não estão prontamente relacionados com a queda da pobreza. Quando um país entra em uma trajetória de crescimento, a mão-de-obra que mais é demandada é aquela que tem maior qualificação, justamente o atributo que não está presente nos indivíduos ou famílias que vivem abaixo da linha de pobreza. É verdade que a origem do indivíduo, raça e sexo são elementos que têm um apelo muito forte na discrepância entre ricos e pobres, tanto que as famílias lideradas por mulheres, negras e faveladas encontram-se entre as mais pobres. Mas são esses elementos que se confundem com a incapacidade delas em fugir a esse círculo da pobreza por meio da educação, da qualificação e do treinamento. O fato de o país apresentar taxas mais elevadas de crescimento não constitui, para esse grupo, uma porta para uma vida mais digna. E, para os que acham que há um certo exagero no peso atribuído ao investimento em capital humano, basta observar uma das passagens do estudo de Marcelo Néri: “Os salários dos universitários pós-graduados são 544% superiores aos dos analfabetos com as mesmas características sociodemográficas e chance de ocupação (emprego) 422% maior”. Em outras palavras, o combate à pobreza depende muito mais da correlação entre escolaridade e emprego do que crescimento e emprego.

Investir mais e melhor na educação significa aprimorar o mercado de trabalho, com impactos positivos sobre a produtividade (as empresas produziriam mais com um custo menor) e sobre os rendimentos (maior qualificação, maior salário e inclusão social). E como o Nobel de Economia Amartya Sen já relatou em sua obra, quanto maior a escolaridade (principalmente das mulheres), mais liberdade o indivíduo tem para realizar escolhas. Talvez o que impeça os mais pobres de saírem do círculo de pobreza seja o fato de não poderem realizar muitas escolhas, caindo na informalidade ou na criminalidade. A contribuição de todos esses pesquisadores deve servir como parâmetro paras as políticas públicas. Os próximos anos serão de crescimento mais modesto devido à crise dos países desenvolvidos, mas independentemente de ser o setor externo ou o mercado interno a bancar a expansão, temos que nos ater ao caráter qualitativo desse processo. Se uma taxa mais elevada de crescimento não conseguiu grandes resultados para amenizar a pobreza, não será com taxas menores que chegaremos lá. O erro não está na pretensa miopia do senador Cristóvam Buarque (PDT-DF), mas nos cegos que rondam os castelos dos governos desse país.

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