Valeu a pena?



por Toni C.*

- E ai, cadê o hip-hop?
- Seis num eram us pá?
- Cadê os manos? Onde estão us Vida Loka agora?
Hahahahaha!



Coloco um CD novo no leitor do computador. Abretesesamo é a palavra mágica que abre portais invisíveis e move rochas gigantes com passagens secretas para novos espaços. A música de abertura do grupo Inquerito toca a milhão no barraco.

Enquanto ouço tento rascunhar uns baratos...
Fico pensando no cara que mora em Diadema, saiu de casa no domingo dia 6 passado foi até a escola para votar no Nelsão...
Ou na mina que mora no Jardim Jaqueline na zona oeste de São Paulo que não só votou, mas conseguiu uma par de votos para o Nuno Mendes.
Nos malucos de Hortolândia que fizeram de tudo para ter como prefeito Aliado G.

E poderia falar de cada um dos eleitores, dos mais de 30 candidatos que o movimento hip-hop lançou pelo país.
Grande parte destes talvez se perguntando:
- Valeu a pena?

Renan líder do grupo Inquérito é estudante da Unicamp, conquistou seu espaço num dos grandes centros de excelência de educação do país. Não sofre de ejaculação precoce nas palavras bem colocadas de suas músicas “... queria cantar com o Tim, tocar como o Ton, jogar que nem Pelé escrever igual Drumond” Inquerito

- E ai tiu firmeza? – Renan me salva pelo MSN.
- E ai rapaz, firmão, tava ouvindo seu som.
- O Toni conseguimos eleger alguns manos?
Me perguntou antes de trocarmos idéias sobre literatura “A saudade é a presença de uma ausência!” ele fala atribuindo a frase a Rubem Alves quando disse que estava lendo um livro deste autor.

Me lembro de um sábado quente em que acompanhei Nuno Mendes a uma atividade de campanha numa favela. A recepção calorosa da comunidade é rotina, troca de idéias, comprimentos, visitas às casas, enquanto andávamos pelas vielas estreitas, vejo um homem abaixando e pegando algo dum bueiro. Sabe o que significa?
Que havia acabado de descobrir onde o cara mocava a droga que vendia.
O cara ficou arisco. Que eu estava fazendo ali? Com quem? Autorizado por quem? Perguntou para um parceiro nosso que mora na comunidade. Ao saber que estava acompanhando o Nuno, em campanha política, a convite dos próprios moradores, ficou um pouco mais aliviado. Mas que naquele dia atrapalhamos o comercio, atrapalhamos, de tanta gente que vinha pra falar com o locutor do Espaço Rap.

Anderson 4P foi reeleito em Francisco Morato num segundo mandato. Mas como diz o nome do CD do Inquérito: Um Segundo é pouco.
O movimento sacou isso teve mais de 30 candidaturas, milhares de votos, muitos foram os mais votados do partido, outros assumiram suplências e se elegeram além do Anderson a Eva em Sumaré, Alceu em Coordeirópolis e o Raissuli em Salto. Não foi em vão.

Aliado G teve 3.816 votos, Nuno Mendes 1.368, Nelson Triunfo teve 1.277. Será que valeu a pena tanto esforço? Lançar candidatos de expressão e depois não eleger, isso não tira a credibilidade do movimento?
Bom vale lembrar que o Lula teve de se candidatar por 4 vezes para se tornar presidente da república. E se o movimento tivesse de ter certeza que elegeria para lançar a candidatura nunca teríamos nenhum representante.

- Mas o que adianta eleger um cara que é do hip-hop? Ele pode ser do movimento e fazer pilantragem, né? – Pode continuar questionando algum mano mais incrédulo.
Estamos as vésperas de mais uma edição do prêmio Hutúz. Como é possível acreditar que ser indicado, fazer campanha, ser votado e receber o prêmio é em pró do hip-hop e se eleger vereador para lutar pela periferia não é?


Renan fala com saudades dos tempos que produzia fanzines, das aulas que dava no assentamento do MST, e da descontinuidades destes projetos por falta de apoio. Conquistar espaços na administração pública deve servir para valorizar, enriquecer, resgatar e desenvolver boas iniciativas que dão certo nas comunidades. Ou eu estou louco?

“Todo homem será condenado pelos bem que ele não fez” Inquérito
Um “jornalista” do UOL preparando uma matéria para o portal, há 4 dias das eleições lança a pergunta ao Nuno Mendes:
- Mano Brown diz em seu disco: “Apoiado por 50 mil manos.” O movimento não é muito pequeno para ter tantos candidatos?

Eu pensei se essa lógica fizesse sentido FHC jamais seria presidente, afinal quantos sociólogos existe no país?
- Esta música dos Racionais do qual se refere - respondeu Nuno - saiu num disco que vendeu mais de um milhão de cópias – é claro que esta parte não foi para o ar.
- Ridículo! Agora qualquer um quer ser candidato, era só o que me faltava. Haahaha! Debocha uma patricinha ao ler a matéria sacana no UOL.

Pode rir, mas desacredita não!
- Não! Eu já acreditei nisso, mas não será por esta via que a coisa acontecerá. - Me diz um bom malandro.
- E verdade professor, mas Malcom X já ensinava que devemos guerrear por todos os meios necessários, né não?

Nelson Mandela, por exemplo, liderou e venceu o apartheid mesmo encarcerado. Poderia acreditar que cumpriu seu papel, mas ao sair da prisão se tornou presidente da África do Sul pela via eleitoral. Pablo Neruda poderia se contentar em ser um dos maiores poetas da humanidade, e se tornou também senador no Chile.

Lendo o relato de Bob PTG me emociono, você viu o que os manos do rap aprontaram? Fundaram o Partido Comunista numa cidadezinha no interior do Ceará chamada Potengi, elegeram três vereadores e o prefeito da cidade. (leia)

Tenho lido muitos relatos sobre a campanha por gente do rap. Peqnoh fala sobre as eleições em artigo no Rap Nacional (Leia). DJ Sadam candidato no Rio de Janeiro, também problematiza sobre se vale a pena, em seu espaço no Bocada Forte (Leia). Kim Isac denúnciou repressão a sua campanha... (Leia)

Na noite havia chuva torrencial, numa terça-feira de transito monstro. Chegamos em Varginha extremo sul da cidade por volta das 21 horas, duas horas de atraso. Haviam mais de 30 pessoas passientemente nos aguardando. Corremos para a casa de um parceiro ali perto.

Formamos um circulo, um por um foi se apresentando, crianças, idosos, senhoras, manos... por mais de uma hora, todos ali discutiram política, como fazer para elegermos nosso candidato, Nuno Mendes...

É a alma de nosso povo não é pequena.
E a pergunta qual era mesmo?
Há! Se vale a pena?
Como diria o poeta
Neste caso... “Tudo vale a pena...”




*Toni C., DJ e produtor. Autor do vídeo documentario "É Tudo Nosso! O Hip-Hop Fazendo História", organizador do livro "Hip-Hop a Lápis" e membro da Nação Hip-Hop Brasil e da equipe do Portal Vermelho.

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