"O problema é que tudo depende de acordo político, logo não são apenas fins elevados e legítimos (que justificam essas ações), como solução pragmática e ágil. Você começa a ter uma contaminação da lógica da política, da qual o exemplo mais recente é o Morro da Providência", disse Proença Júnior em entrevista à BBC Brasil.
A Carta de 1988, explica Proença, prevê no artigo 142 o uso das Forças Armadas nos Estados da Federação para a garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem, mas não há no texto constitucional nem em leis complementares o detalhamento do "âmbito e dos contornos que uma ação das Forças Armadas na segurança pública deve ter".
“Na dinâmica da vida democrática, os representantes eleitos encontraram uma solução que não fere a Constituição, a contorna, para lidar com a necessidade real. Deveria ter sido regulamentado antes de colocar o primeiro soldado na rua, mas não foi e quase cem intervenções depois, precisamos ter uma regra para isso. Antes tarde do que nunca.”
"Esses usos (em greves da polícia, na Eco 92, entre outros) foram todos feitos no limbo legal. Se tivesse acontecido alguma coisa que chegasse ao tribunal, não haveria proteção legal para um soldado ou oficial."
Nesta sexta-feira, a Comissão de Segurança e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados encerra um trabalho de levantamento de dados no Rio de Janeiro a partir do qual pretende elaborar um relatório com sugestões para a regulamentação da atuação das Forças Armadas no policiamento público.
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, tem apontado os problemas que a falta de regras claras traz para os militares envolvidos nessas ações e defendido a necessidade de um estatuto jurídico.
Legal ou Alegal
Embora defenda que as Forças Armadas só podem ser usadas na garantia da lei e da ordem quando houver estatuto jurídico próprio para isso, Jobim definiu recentemente como "legal" o polêmico emprego das Forças Armadas na execução das obras e na proteção dos trabalhadores do projeto Cimento Social, do senador Marcelo Crivella, pré-candidato à Prefeitura do Rio.
"O inciso segundo, introduzido pela lei 117/2004, atribui ao Exército, aos seus batalhões de engenharia, a competência de trabalhar em obras civis", disse o ministro, na semana passada. "Não há ilegalidade na participação do Exército Nacional em termos de obras e serviços".
A lei citada por Jobim prevê que o Exército possa "cooperar com órgãos públicos federais, estaduais e municipais e, excepcionalmente, com empresas privadas, na execução de obras e serviços de engenharia".
O projeto era executado pelo Batalhão Escola de Engenharia do Exército e Comissão Regional de Obras da Primeira Região Militar. As obras, que haviam sido assumidas pela população depois que o projeto foi embargado pela Justiça Social, estão paradas por falta de verbas.
Para Proença Júnior, a ação na Providência, assim como outros empregos do Exército não previstos em lei nos últimos 20 anos, foi "alegal" porque foi decidida e realizada à margem da Constituição.
"(A lei complementar 117/2004) autoriza a ação, mas o policiamento público será exercido com que norma?", diz Proença Júnior, que também é membro do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.
A ação na Providência passou a ser questionada, com críticas ao suposto aspecto eleitoreiro e à atuação dos militares, depois que um grupo deles entregou três jovens da Providência para traficantes. Os três jovens foram mortos.
Em nota, o Ministério da Defesa (MD) informa que "o eventual uso das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO)" é "um dos pontos" que o Ministério pretende rediscutir com a sociedade a fim de determinar que tarefas "a Nação atribui às suas Forças, e a partir desse ponto, discutir como serão desempenhadas essas tarefas".
Segundo o MD, a rediscussão faz parte da Estratégia Nacional de Defesa (ou PAC de Defesa), que deverá ser apresentada no feriado de 7 de setembro.
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