Equívoco global

Na adolescência é freqüente o desencadeamento de crises graves, que merecem uma escuta delicada
Regina Teixeira da Costa
reginacosta@uaivip.com.br
O Fantástico, da Rede Globo, exibido aos domingos à noite, apresentou em suas duas últimas edições matéria polêmica e a meu ver equivocada e tendenciosa. Acredito que muitas famílias com filhos adolescentes assistam ao programa e seria uma grande omissão não comentar a lamentável reportagem. A do rapaz que antes era “supernormal” e, de uma hora para outra, começou a fumar maconha, ficou rebelde e passou a desrespeitar a mãe e o padrasto.

Poderíamos justificar o interesse público da matéria como sendo o de ajudar outras famílias com o mesmo problema. Mas qual é de fato o problema? A adolescência, as drogas, a degradação das autoridades na família? Creio que houve uma confusão tremenda e nem mesmo se pode dizer qual é o problema que aflige a família inglesa. Considerei aproveitável somente um comentário, o de uma adolescente dizendo que a mãe é um exemplo de tudo o que não se deve fazer na relação com os filhos.

Assisti à reportagem porque ouvi a chamada e me interessei quando disseram que, de repente, o rapaz começou a fumar maconha o dia inteiro, não tem limites, nem respeita a mãe, que não sabe mais o que fazer. Quem tem filhos adolescentes fica inseguro por ter de lidar com situações inusitadas para as quais não se sente preparado. Será que algum dia estaremos preparados para enfrentar o real com todas as novidades inusitadas que ele nos apresenta? Creio que não, mas temos, assim mesmo, que pelo menos pensar sobre o assunto, embora não tenhamos todas as respostas. Nem devemos nos cobrar isso.

A reportagem mostra um jovem descontrolado, agressivo, mal-educadíssimo e os últimos recursos da mãe, da qual poderíamos dizer a mesma coisa. Numa covardia extrema, em vez de conversar com o rapaz, ela toma medidas radicais que dão espaço para que ele a desafie. A mãe demonstra temer qualquer contato direto em que deva se colocar como autoridade respeitável diante do filho, preferindo as ameaças que invocam a polícia, as correntes, a expulsão. Vê-se que ele não recua diante de chantagens emocionais ou das ameaças explícitas. Ali não há autoridade e nunca deve ter havido. E nenhum respeito, seja próprio, seja pelo outro.

A adolescência é um momento em que atravessamos uma crise. É a crise do despertar. Deve-se neste período da vida aprender a conviver socialmente, apropriando-se daquilo que é ser um adulto. São reposicionamentos a fazer. Passar da infância ao mundo adulto, no qual se deve ser responsável pelas próprias opiniões, pela imagem social, pelos relacionamentos fora da família, assumir em nome próprio o desejo. Isso implica em um doloroso afastamento dos pais, nem sempre cientes de que a dificuldade deles é também dos filhos.

Essa independência a conquistar coloca os adolescentes em xeque, obriga-os a fazer oposições constantes, para se demonstrarem capazes de decidir sozinhos algumas coisas. Barrar certos pais é quase impossível! Que tarefa para realizar sozinho! Além disso, de todo esse barulho, há o despertar da sexualidade até então proibida e, agora, não mais que de repente, o centro da atenção e o caminho da descoberta. A adolescência é o momento em que devemos encontrar nosso lugar na vida sexual, saber do que gostamos, até que ponto explorar essa nova possibilidade que se abre e quando parar. Realizar algo que sempre foi proibido e que agora já se ensaia e é de fato altamente desejável.

O Fantástico lança a suspeita de que é a maconha uma das causas da crise, e de fato ela tem ali uma função para o rapaz. Mas não essa que apontam. Não quero fazer apologia da maconha nem dizer que seu uso não cause prejuízos, mas nem todos os usuários agem assim. A maconha é descrita pela ciência como ansiolítico e não causa de violência. Isso pode até ocorrer, mas por predisposição e motivações do sujeito, nunca da maconha. É um anestésico poderoso para a dor de existir, como também é o álcool. E nem todos os sujeitos apresentam os efeitos exibidos no programa. Vale o mesmo para os usuários do álcool. Nem todos os bebedores chegam em casa e espancam suas famílias, mas há aqueles que o fazem. De fato, o rapaz está numa crise violenta, e merece atenção.

Na adolescência é freqüente o desencadeamento de crises graves, que merecem uma escuta delicada e respeitosa por ser um momento de sair da alienação nos desejos dos pais, isto é, hora de largar a barra da saia e se bancar. De qualquer modo, o tratamento deveria ser outro. Embora estejamos no mundo global e boçal em que alguns querem seus minutos de fama e pareça desejável a exposição da vida privada, é um absurdo colocar esse rapaz nessa situação para ser estigmatizado e, além disso, colocar problemas sérios como esse de maneira superficial e preconceituosa.

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