André de Albuquerque Sgarbi, AdvogadoFoi-se o tempo em que o principal ativo de uma sociedade consistia no terreno e na estrutura fabril. É crescente, e tem atingido proporções cada vez maiores, a importância dos chamados ativos intangíveis ou imateriais na atividade empresarial, dentre os quais podemos citar marcas, patentes e o nome empresarial. Trataremos no presente artigo da proteção dada pelo ordenamento jurídico ao nome empresarial, que é muitas vezes falha e insuficiente.
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Uma das questões de maior relevância para o empresariado nessa seara, que tem sido objeto de desnecessária controvérsia, diz respeito à extensão da proteção dada ao nome empresarial em decorrência do registro da sociedade na Junta Comercial. De acordo com o artigo 1.166 do Código Civil, o registro do empresário assegura à pessoa jurídica o uso exclusivo de seu nome empresarial dentro dos limites do estado onde foi realizado, enquanto a proteção nacional depende de um procedimento específico a ser delineado em lei especial, ainda não editada. Essa disposição é reforçada pelo artigo 11 da Instrução Normativa 104, editada pelo Departamento Nacional de Registro de Comércio, que determina que a proteção ao nome empresarial em estado diverso do qual a sociedade foi primeiramente registrada depende de pedido específico dirigido à Junta Comercial daquele estado.
Portanto, atualmente uma sociedade que deseje ter seu nome protegido nacionalmente, deve aviar pedido independente para todas as juntas comerciais do país, instruindo cada processo individualmente, e pagando, obviamente, as taxas respectivas a cada uma delas. Trata-se de procedimento inexplicavelmente burocrático e oneroso, que prejudica as sociedades que ainda não possuem atuação nacional – geralmente pequenas e médias – nem condições de promover uma peregrinação país afora registrando seu nome empresarial em todos os estados da federação.
O panorama esboçado não é lógico nem razoável, o que não é novidade em relação a diversos tópicos do Direito Empresarial. No entanto, a questão debatida assume contornos estapafúrdios quando se verifica que o Brasil, desde 1975, através do Decreto 75.572, de oito de abril daquele ano, aderiu à Convenção de Paris para Proteção da Propriedade Intelectual. Em seu artigo 8º, a CUP dispõe que “o nome comercial será protegido em todos os países da união sem obrigações de depósito ou de registro, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio”.
Portanto, a Convenção de Paris prevê que a proteção ao nome se dará em todos os países signatários, independentemente de qualquer “depósito ou registro”, ou seja, sem que o interessado tenha que praticar qualquer ato além do registro original do nome empresarial. Verifica-se, portanto, a existência de conflito entre a disposição do Código Civil e da Convenção de Paris. De acordo com o primeiro, a proteção do nome se restringe ao estado onde ocorreu o registro, enquanto a segunda dá proteção ao nome em todos os países signatários da Convenção. Assim, o nome empresarial de uma sociedade registrada em São Paulo não teria proteção em Minas Gerais, mas seria resguardado na França ou Inglaterra. O absurdo é flagrante.
Diante desse conflito, as divergências doutrinárias encontram terreno fértil para florescer. Alguns (que nos parecem corretos) defendem a supremacia do tratado internacional em relação à legislação infraconstitucional, sustentados nos artigos 98 do Código Tributário Nacional, e 5º, parágrafo 2° da Constituição Federal, argumentando que a revogação de tratado internacional por lei interna significaria a denúncia indireta do último, que dependeria de uma extensa série de requisitos, e criaria situação de enorme insegurança jurídica. Para esses, a Convenção de Paris não poderia ser revogada pelo Código Civil ou qualquer outra legislação infraconstitucional, sendo aplicável, portanto, a regra segundo a qual a proteção ao nome é nacional e internacional, independentemente da prática de qualquer ato adicional além do registro da sociedade.
Outros, apoiados em decisões do Supremo Tribunal Federal, dirão que os tratados internacionais são recebidos pelo ordenamento jurídico como leis ordinárias, e que, assim, poderiam ser revogados por outras normas posteriores de mesma hierarquia. Para esses, o artigo 8º da Convenção de Paris teria sido revogado pela legislação infraconstitucional, e não seria aplicável. Não nos deteremos nessa discussão, por escapar do estreito foco do presente artigo.
Entretanto, a simples existência de divergência jurisprudencial leva à insegurança jurídica, que é extremamente danosa a todos que desejam investir, gerar renda, empregos e pagar tributos. Por outro lado, como demonstrado, a regulamentação da questão pelo Código Civil é equivocada, burocrática e dispendiosa, principalmente para empresas sem atuação nacional, ou seja, pequenas e médias.
Faria bem o legislador, aproveitando a discussão levantada pelo Simples Nacional, e a disposição do governo federal em incentivar o desenvolvimento das pequenas e médias empresas, que geram a maior parte dos empregos no país, se desse nova regulamentação legal à matéria, repetindo, agora por meio de lei ordinária, a regra da Convenção de Paris, assegurando proteção nacional e internacional ao nome empresarial mediante o mero registro da sociedade. Até lá, as sociedades que planejem, ainda que num futuro remoto, expandir sua atuação para outros estados e regiões, devem garantir a proteção ao seu nome empresarial perante as todas as juntas comerciais, a fim de evitar litígios futuros.
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