A reforma psiquiátrica, no Brasil, iniciada pelos profissionais de saúde mental, teve, num segundo momento, a adesão dos familiares e usuários dos serviços de saúde mental, deixando de ser um movimento de discussões técnicas para se tornar uma frente político-social. Essa participação só foi possível porque a saúde mental pôde ser pensada com base nos critérios de liberdade e cidadania dos portadores de sofrimento mental, dando a estes voz e voto nas decisões políticas acerca de sua reabilitação e inclusão social. Desde o 2º Congresso de Trabalhadores de Saúde Mental (dez./1987), quando foi criado o slogan “Por uma sociedade sem manicômios!”, a reforma psiquiátrica vem obtendo sucessivas conquistas. No país, ela foi efetivada ao optar pelos serviços de saúde pública, assegurados nas legislações oriundas de diversos níveis de governo.
Como prática manicomial, repudiamos a eletroconvulsoterapia (ECT), por seus desumanos efeitos colaterais, como o prejuízo acentuado da memória, por ser prática agressiva e invasiva, que objetaliza o portador de transtorno mental, a serviço de uma ciência que enfoca apenas aspectos biológicos e fisiológicos, buscando uma rápida reação ao surto, o que nem sempre corresponde ao desejo e ao tempo de cada sujeito assistido. Posicionamo-nos, também, contra qualquer tipo de tratamento invasivo, como a psicocirurgia, a superdosagem de medicamentos, internações em instituições fechadas de tratamento etc. Igualmente, somos contra as violações de direitos humanos nas instituições “hospitalocêntricas” em saúde mental, que, muitas vezes, resultam em mortes misteriosas. Para o fechamento gradativo desses hospitais psiquiátricos, contamos, na rede pública, com a implantação de Caps ou Cersams, como são chamados em Belo Horizonte. Esses dispositivos atendem às urgências, com funcionamento 24h, tendo a retaguarda do Serviço de Urgência Psiquiátrica (SUP), no Centro da cidade, que atende àquelas demandadas no período noturno.
Passada a crise, os usuários são encaminhados aos centros de convivência, que são instrumentos que contribuem para a inserção social do portador de sofrimento mental e que fazem circular a loucura na cidade, desmistificando o mito da tutela do louco pelos profissionais, dividindo essa responsabilidade com toda a sociedade no cuidado e convivência com a diferença. A rede de assistência à saúde mental também oferece atendimento ambulatorial na atenção primária, cuidando, de forma integral, de todos os aspectos da saúde do indivíduo portador de sofrimento mental. Um outro dispositivo de desinstitucionalização desses portadores são as residências terapêuticas, que acolhem pacientes egressos dos hospitais psiquiátricos e que perderam seus vínculos familiares, por causa de longos períodos de internação ou que dependem desses serviços para sua reinserção social.
Entendemos, pois, que a loucura se situa além da questão da saúde, perpassando, também, todo o tecido social na garantia de direitos e, em contrapartida, na apropriação do indivíduo portador de sofrimento mental de sua responsabilidade pessoal e social. (Com Sílvia Maria Soares Ferreira, 1ª tesoureira, e Paulo dos Reis Braga, do Conselho Fiscal da Assusam) |
Nenhum comentário:
Postar um comentário