Entrevistas




Adair Rocha fala sobre Zumbi dos Palmares e igualdade social

No dia 20 de novembro, celebramos o feriado de Zumbi dos Palmares, que morreu em1695, lutando. Zumbi enfrentou verdadeiras batalhas em busca da igualdade social, contra a exclusão do negro. Por isso, entrou para a história como o herói dos negros, como “general das armas” e o líder da Terra da Promissão. Na PUC-Rio, o professor Adair Rocha é um dos representantes desta batalha pela igualdade, buscando continuamente a integração entre os indivíduos da comunidade.Adair Rocha é professor do Departamento de Comunicação Social e Coordenador de Comunicação Comunitária do Projeto Comunicar da PUC-Rio. É ele que, agora, fala ao Portal Amai-vos.

Amai-vos: O Brasil tem o que comemorar no dia dedicado a Zumbi dos Palmares?

Adair Rocha: Em uma nação que tem mais de 50% da sua população negra, onde a grande maioria desta população se situa nos setores excluídos e marginalizados da sociedade brasileira, Zumbi, na verdade, é uma simbologia da luta do negro no Brasil e da luta da libertação do negro no Brasil, numa história que é muito mais escrava.Tudo isso traz motivos para que a expressão comemorar seja retrabalhada. Possivelmente, pudéssemos chamar de celebrar porque não tem tanto motivo para comemoração. Pelo contrário, é uma data quase que de sofrimento do resultado de um processo histórico. Isso, certamente, é ruim, mas não para o negro em si. O negro está trabalhando em uma forma de resistência e de se colocar em pé e vivo. Isso é mais lamentável para o conjunto da população e, especialmente, para os brancos, cuja grande maioria, inclusive, tem uma relação inteiramente integrada, e onde todas as pessoas são pessoas da mesma forma, independente da cor, da etnia. No entanto, há uma estrutura que está assumida mais pelo branco, que acaba sendo essa que coloca num determinado grupo étnico o Brasil dominando outro grupo. Em última instância, há um grande motivo de celebração dessa data.

Amai-vos: Todo ano existe a discussão sobre se deve ser decretado feriado no dia de Zumbi de Palmares, ou não. O que o senhor acha disso? O feriado é mais uma forma de diferenciação social?

Adair Rocha: A polêmica é resultado do processo histórico da sociedade. Se for uma população que, assim como Zumbi representa a partir dos quilombos e das lutas que os negros foram encaminhando, se ela tem algumas vitórias, certamente, qualquer fortalecimento desse processo no Brasil vai estar apontando para um risco, um perigo para aqueles que estão sustentando o poder. É claro que culturalmente vai criar problemas mesmo. Sobre a diferenciação social, absolutamente não tem. Muito pelo contrário, diferenciação social é o que vemos no cotidiano. E aí tem um dia que simbolize o negro. Ele, sim, pode ser lida no sentido de superar a diferenciação social. Assim, eu colocaria, inclusive, que você ter um Dia do Negro no Brasil, ou o Dia da Mulher - você não tem o Dia do Homem-é muito importante. O cotidiano do negro é muito presente, sobretudo naquilo o que faz acontecer o processo de produção, o trabalho todo de produção dos bens. E, ao mesmo tempo, ele está cada vez mais distante do uso dos bens, da aquisição e do acesso. Então, não precisa do Dia do Branco, nem do Dia do Homem porque são setores que estão trabalhando num processo de dominação tão grande, que para que comemorar o seu dia, se todos os dias já são seus?

Amai-vos: O que a comunidade deve retirar do exemplo de Zumbi para uma atuação prática, nos dias de hoje?

Adair Rocha: Me parece que há alguns exemplos que estão acontecendo que, certamente, Zumbi e a luta toda dos quilombos têm sido, extremamente, inspirador. A própria Igreja Católica, e vários outros setores religiosos no Brasil, têm aprendido muito com isso. No final da década de 80, 1988, por exemplo, tivemos uma semana, uma campanha toda da fraternidade sobre o negro. Não é à toa que a igreja toda está fazendo a sua mea-culpa em função de todo o processo de escravidão existente. Há pastorais do negro, Semana de Consciência Negra, as mais diferentes organizações em torno do negro e, nesse momento agora, talvez o que tem aparecido mais para o Brasil e para o mundo foi durante a Conferência Africana, onde você viu o governo brasileiro falando das cotas.Certamente, ela é já um tipo de vitória porque cotas é uma coisa negativa, porque vai estar colocando uma coisa discriminatória. No entanto, quando você está completamente fora e como um momento da luta, ela é fundamental que aconteça para que você repense um modelo de universidade, e de educação em geral, cuja escola pública vai dar condições para todos concorrerem da mesma forma. Eu colocaria os vestibulares de negros e carentes, os vestibulares comunitários, como sendo os grandes provocadores disso que o mundo inteiro, agora, teve que ouvir. Essa, certamente, é também uma luta. Tem um frade franciscano, o frei Raimundo David, que está à frente disso e que tem criado no Brasil um processo muito bonito e importante para libertação do negro.

Amai-vos: A PUC - Rio já trabalha com o vestibular para negros e carentes. Como ele está contribuindo com a diminuição da exclusão? Como o senhor vê as contestações sobre a reserva de vagas?

Adair Rocha: No caso da PUC, essas questões, quando são colocadas, são infundadas. São pessoas que ouvem o galo cantar, mas não sabem onde e, ao mesmo tempo, estão acostumadas com uma leitura bastante preconceituosa e, aí, acabam reproduzindo. A PUC, desde 94, tem vivido um processo extremamente rico no sentido das parcerias com os cursos comunitários. Começou com o Vestibular para Negros e Carentes; depois a Educafro e, hoje, tem um número enorme de cursos: o Teresiano, o Sonho e Cidadão, e pode citar um grande número a mais de cursos que criam essas parcerias, e aí não existe nenhuma reserva de vagas. Quer dizer, o avanço da PUC é exatamente nesse sentido. Todos entram na PUC pela porta da frente. Passam nos vestibulares, como todas as outras pessoas. A diferença é que entrou pelo vestibular, e veio de um curso comunitário, tem a bolsa social, uma bolsa integral. De 94 para cá, já houve vezes em que eu cheguei em sala e a grande maioria era negra, tinha um, dois brancos e, aí, eu dizia que aquela turma era elitista. Era ótimo para poder provocar a discussão do significado desse processo. A PUC tem acumulado uma experiência muito positiva. Hoje, mais de 500 alunos são procedentes dos vestibulares comunitários: negros e brancos também. Claro que os pobres, de maneira geral, têm que ter uma melhora completa, não só da escola pública, que os prepare para a universidade. Mas essa experiência da PUC já tem criado oportunidades... O rendimento médio dos que vêm desses cursos, em geral, é de cerca de 8,0. Isso está trazendo, ao contrário, a possibilidade da convivência com a diferença e a possibilidade de repensar também o próprio processo de produção acadêmica, da produção do saber. Muito mais próprio da sociedade como um todo e menos representante de um setor da sociedade, onde era facilmente classificada como elite, a PUC. Acho que essa presença tem trazido uma contribuição importante, não só para a PUC, mas para o conjunto da sociedade.

Amai-vos: Nessa busca, exemplificada pelo herói Zumbi, como o senhor definiria viver a igualdade?

Adair Rocha: Viver a igualdade é, sobretudo, respeitar a diferença. Viver a igualdade é você ter a possibilidade de compreender os segredos da vida, e a vida apresenta as mais inéditas formas, que não são completamente previsíveis.Igualdade é uma questão econômica, uma questão política muito clara. Um sistema que organiza as pessoas em sociedade. É a possibilidade de todas as pessoas terem acesso. Não significa que todas as pessoas tenham que ter as mesmas coisas, criar modelitos onde você enquadre as pessoas. Mas, ao contrário, onde as pessoas possam ter acesso e, através do acesso delas, elas vão com as suas identidades, com as suas características, portanto, com as diferenças todas existentes, acostumar a conviver com a diferença. É grande a possibilidade quando você trabalha numa perspectiva de igualdade, e a igualdade pressupõe categorias tão importantes que são usadas. Como: o amor, a honestidade, a ética. Essas coisas todas que só podem acontecer quando os processos do acesso e da liberdade ocorrem.

Amai-vos: Em que consiste o Núcleo de Comunicação Comunitária do Projeto Comunicar da PUC-Rio?

Adair Rocha: Assim como o Comunicar se organiza com o Núcleo de Jornalismo, com o Núcleo de Televisão, com o Núcleo de Criação,, com o Núcleo de Assessoria de Imprensa, Radiojornalismo e Internet, com a Editora, ele acaba de criar o Núcleo Comunicação Comunitária. Nós estamos em processo de instalação. Já temos muitas coisas feitas, mas a demanda é que, na verdade, as criou. É uma forma de, não só dar uma visibilidade maior a tudo o que já acontece com a universidade, que relação ao que ela tem com o conjunto da sociedade, quais são os trabalhos todos feitos... Por exemplo, o Morro Santa Marta tem um jornal que há, algum tempo, vem sendo trabalhado e montado; o Morro dos Macacos já tem a produção de um jornal virtual que está sendo montado. Tem um grupo da Escola de Arte da Mangueira, onde os meninos é que estão produzindo três vídeos sobre família, sexualidade e música. Eles mesmos estão vindo para a ilha, para os estúdios para poderem acompanhar a produção dos estagiários daqui. A idéia é que a formação dos profissionais, ao mesmo tempo em que pode contribuir com diferentes espaços, ela, essa formação, também aprenda com esses diferentes espaços. A Comunicação Comunitária é, exatamente, estabelecer esta troca. Fazer cumprir esse papel. E aí ela vai criando, a cada dia, coisas novas. A idéia central é a de compreender o aspecto político das comunidades. Da unidade na diversidade se, assim, a gente pudesse resumir. Muita gente da PUC acaba não sabendo as coisas que acontecem aqui. Então, você ter uma forma de comunicação na divisibilização daquilo o que está dentro da própria PUC já é uma coisa extraordinária. E aí também poder facilitar os acessos nas diferentes experiências comunitárias, como o Movimento Central de Favelas; a Cufa; o Movimento hip-hop, e tantos outros.

Amai-vos: Haverá, na PUC, alguma celebração em homenagem ao Dia do Zumbi no dia 20?

Adair Rocha: A comemoração vai ser precedida pela organização da Semana da Consciência Negra com diversos grupos de dentro, e fora da PUC. Os grupos, dos mais diferentes cursos, vão estar organizando apresentações. Então, esta semana é a forma mais explicita da comemoração de Zumbi dos Palmares.


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