Estado policial

Todas as operações da Polícia Federal são espetaculares e vazam sistematicamente para a grande mídia, previamente avisada, sem que os suspeitos sequer tenham vista dos autos
Sacha Calmon - Advogado tributarista, coordenador da pós-graduação em direito empresarial da Faculdade Milton Campos
Vitupera-se contra o Presidente do Supremo, Ministro Gilmar Mendes, por criticar – no caso Daniel Dantas – a espetacularização das operações da Polícia Federal e o uso ostensivo de algemas, bem como o “vazamento” de fatos que devem ser sigilosos, como recomenda o princípio do devido processo legal, ou seja, estar a outra parte ciente para contestar. Dá-se por inquestionável a tentativa de suborno. Houve flagrante testemunhado? Não! Houve filmagem com a pessoa denunciada aparecendo? Não! E quem nos garante que as gravações não foram montadas? O dinheiro mostrado pode ser ato dos acusadores. Quem escuta telefonemas alheios, corta, recorta, monta, desmonta e remonta, a seu bel-prazer, unilateralmente, os diálogos. Acha-se que o juiz de 1º grau somente deferiu a liminar pela: (a) tentativa de suborno (montável) e; (b) pela destruição possível de provas pelos acusados, daí os cinco dias de prisão provisória. Mas a Polícia Federal, com mandato judicial, não apreendeu carros, bloqueou contas, confiscou computadores, levou caixas e caixas de documentos, sob as luzes da ribalta midiática?

Cinco pontos merecem realce. Primeiro: gente como Dantas, se for presa, realmente não precisa ser algemada. Não vai matar-se ou atirar na polícia nem sair correndo como um idiota pelo meio da rua. Segundo: A origem da operação Satiagraha deu-se porque Daniel, amigo antigo do governo, teria jogado dinheiro na conta de Marcos Valério, amigo de Dirceu, Secretário de Lula na época do mensalão. Com o tempo a turma se desfez. Tudo indica que se trata de vendetta no melhor estilo siciliano. O Naji Hahas (quem não sabe?) é agora doleiro e doublê de informante de tendências financeiras, aqui e acolá. O Pitta é um corrupto que, de quando em vez, traz o dinheirinho que subtraiu da Prefeitura de São Paulo para levar à frente a sua vida de réprobo. Daniel abre empresas off shore. Ele, um montão de pessoas e bancos nacionais e estrangeiros. Sem falar nos escritórios especializados! Será esse o motivo para tantas atoardas cinematográficas?

Terceiro: De onde surgiu a informação de que Dantas teme juizes de 1ª instância – cujas decisões são provisórias – porque no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, cujas decisões são definitivas – ele resolve tudo com facilidade? Se eu fosse Ministro, exigiria em juízo, de pronto, a procedência dessa aleivosia, cujo objeto é desqualificar a cúpula do Judiciário. Com que propósitos?

Quarto: A Polícia Federal investiga e representa ao Ministério Público. Mas não! Todas as suas operações são espetaculares e vazam sistematicamente para a grande mídia, previamente avisada, sem que os suspeitos sequer tenham vista dos autos. O Ministro Gilmar Mendes averbou que tais procedimentos são típicos de gangues organizadas com o fito de criar fatos consumados. Quem ordena tais procederes? Qual o objetivo político dessa pirotecnia, senão passar para o público que o Governo investiga, prende e pune poderosos? Mas o enganam, porquanto antes da sentença final judicial, a inocência é presumida. Isso é fascismo, nazismo, comunismo, totalitarismo, contrários ao Estado Democrático de Direito.

Quinto: A mídia, atenciosa, acede gostosamente em colaborar na divulgação das versões da Polícia. Não é norma, a mais primária do jornalismo investigativo, que se deve antes ouvir a parte contrária? Até que ponto nós jornalistas concorremos para a corrosão do Estado de Direito? Estamos em pleno Estado Policial em que a versão dos órgãos de investigação criminal, antes mesmo que haja denúncia do Ministério Público, antes que se inicie o processo criminal, o exame da consistência das provas e, ao cabo, o julgamento com trânsito em julgado, as pessoas são presas, expostas, vilipendiadas e condenadas.

Sexto: Diz-se que jamais se viu o Presidente do Supremo insurgir-se contra as algemas nos pulsos dos pobres, só dos poderosos. O que se quer dizer com isso? Que o Ministro é oligarca? Não se trata de ser pobre ou rico, mas do preso ter maior ou menor poder ofensivo.

Agora, provocativo, o juiz De Sanctis, depois do habeas-corpus do Presidente do Supremo, que revogava sua ordem, novamente decretou a prisão do indigitado. E, novamente, o Ministro Gilmar Mendes determina sua soltura imediata, como era de se esperar. Que mania é essa de prender quem tem dinheiro, quem é de classe alta? Que propósitos animam os Jacobinos?

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