Nas últimas décadas, aumentou a tensão no debate sobre o regime da propriedade intelectual. Seria este regime compatível com o bem-estar da sociedade e a difusão do conhecimento? Ou estaríamos diante de um dilema insuperável? O tema é polêmico e complexo. Antes de tudo, importa destacar que a apropriação privada do conhecimento e a proteção conferida à inovação tecnológica pelo regime de patentes, bem como o registro de marcas e desenhos industriais que privilegia o inventor e a empresa em aparente detrimento da sociedade, decorrem do sistema capitalista, que se impôs naturalmente ao mundo pela sua capacidade de respeitar valores fundamentais da sociedade: liberdade econômica e democracia. Países que não aceitavam a idéia de propriedade privada justificavam o uso exploratório e irregular dos produtos e tecnologias patenteadas em nome de valores sociais. A China, mesmo atualmente, opera na área de cópias e pirataria como herança cultural dos tempos de regime comunista.
Proclamado vencedor, o capitalismo da linha schumpeteriana trabalha com o conceito de “destruição criativa”. Cada nova tecnologia destrói o valor das anteriores, criando um valor maior e garantindo adequada acumulação e crescimento econômico. O papel da ciência nessa dinâmica capitalista seria promover um permanente estado de inovação, sucateando e substituindo produtos, assim como criando novos hábitos de consumo, como apontou Gilberto Dupas. Logo, a inovação não é mera acumulação de conhecimentos, mas o adequado aproveitamento deles para pôr no mercado, com larga chance de êxito, um novo produto ou processo. Quem critica o regime de proteção aos direitos de propriedade intelectual por meio do sistema de patentes e registro de marcas, entre outros, desconhece o seu maior objetivo. A tensão existente ocorre por aqueles que propagam a difusão irrestrita do conhecimento com a socialização dos seus benefícios. Além disso, sinalizam que há um desvirtuamento dos sistemas vigentes de propriedade intelectual, que estariam cada vez mais deixando de ser um mecanismo de proteção da invenção para se tornar instrumento perigoso utilizado pelas grandes corporações na área da concorrência.
Discordo dessa visão porque considero o investimento privado em pesquisa científica e tecnológica que busca à inovação no ambiente produtivo um fator de alto risco, de resultados incertos e que implica gastos elevadíssimos. Evidentemente, quem investe espera retorno. Portanto, se uma inovação adotada é bem-sucedida, torna-se absolutamente razoável que o investidor queira protegê-la contra investidas de terceiros. Daí o prazo legal de vigência das patentes que se presta a contrabalançar o indesejado monopólio do criador. O discurso de socialização do conhecimento é muito simpático e sempre encontrou inúmeros adeptos. Porém, não me parece realista. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia vingará por meio das empresas inovadoras, dos institutos científicos e tecnológicos (ICTs), governos e universidades. A questão da titularidade dos direitos de patentes terá de ser amplamente debatida e negociada. No entanto, se a inovação ocorrer no âmbito de um contrato de trabalho ou prestação de serviço, gerando direito a patentes, em regra esta prerrogativa será do empregador. Esse é o sistema que se conforma com a Constituição Federal, que reconhece e respeita a propriedade privada, mas a subordina ao cumprimento de uma função social.
Portanto, a socialização dos direitos de propriedade intelectual estará sendo rigorosamente observada pela exploração adequada da patente, pelo uso regular da marca, pelo licenciamento de uso do software e pela liberdade de que goza o titular desses direitos de cedê-los a terceiros mediante retribuição. O uso e a exploração de tais direitos devem, obrigatoriamente, se dar para fins lícitos, comprometidos com o aumento da renda, a geração de empregos e o pagamento de tributos, enfim, com a circulação da riqueza. Nisso consiste a sanção de nossa lei àquele que abandona esse direito ou o utiliza de maneira abusiva. Nesse caso, ficará sujeito a ter a sua patente licenciada, compulsoriamente. |
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