Tarefa impossível
"Pais foram criança um dia e sofreram situações traumáticas. Tentarão a todo custo livrar os filhos daquilo que passaram"
Regina Teixeira da Costa
reginacosta@uaivip.com.br
Freud tinha toda razão quando classificava a tarefa de educar como impossível, junto com governar e analisar. E não há quem possa discordar dessa afirmação. Nem todas as supernannys da vida, por mais que se esforcem em oferecer receitas, podem dizer o que é educar, porque regras não respondem a todas as questões que surgem quando resolvemos ser cuidadores de alguém.

Garanto que não há pais que nunca tenham parado em algum momento e dito ou pensado, mesmo com medo de ser castigado por tal pensamento, que se soubessem o que é criar um filho teriam pensado mais umas mil vezes antes. E nós nunca estamos preparados para sermos pais, temos de aprender sendo. Educar é aplicar ao outro aquilo que nós mesmos detestamos para nós: a privação, a frustração e a castração. E fazer isso com amor, porque não é fácil e nem possível de outra maneira.

Educar um filho é como cuidar de um pomar ou um jardim. Temos de plantar, esperar germinar, brotar, nascer, crescer e para isso é preciso cuidar, tirar as ervas daninhas, adubar, investir em recursos e saber podar, para obter mais tarde belos e saudáveis frutos e flores. E não nos esqueçamos... espinhos também fazem parte.

Estou falando das dificuldades, mas não esqueçamos o prazer de babar (todo pai e mãe são bobos) que fruímos quando nos orgulhamos do nosso feito, quando temos oportunidade de ver florescer um ser humano saudável e capaz. Sentimos um prazer narcísico e a sensação vitoriosa do: feito por mim!

Por isso mesmo fico muito triste quando vejo na TV esses programas de adaptação e treinamento de pais e mães, pois estão retirando deles a capacidade de ser sensíveis àquilo que ocorre. Educar é muito mais do que treinar um animal doméstico com regras duras e precisão matemática. Esses programas pedagógicos são reducionistas. Reduzem o homem a animal treinável. Excluem a subjetividade e propõem regras que não levam em conta as dificuldades dos pais. Seus medos, sua vida, sua história, seus motivos. É elevação da prática e da técnica como motivo maior.

Pais foram criança um dia e sofreram situações traumáticas. Eles tentarão a todo custo livrar os filhos daquilo que passaram. Com isso, dão aos filhos um tratamento que gostariam de ter recebido. Fazendo assim, desconhecem que as necessidades dos filhos podem ser outras. Mas teimamos em responder por eles como se soubéssemos o que é bom para eles. Por isso falamos em filhos como “pedaços de mim”. Eles são e dão continuidade à vida, nos tornamos imortais por meio deles. Mas esses pedaços têm vida própria!

Uma coisa é amar demais e querer proteger, outra é amar tanto e proteger tanto e contra tudo que fazemos deles adultos fracos e incapazes de lidar com as faltas e durezas da vida. O mundo não ama nossos filhos como nós, e ninguém vai dar a eles o tratamento de exceção que nós, equivocadamente, damos.

E quando crescem e nos enfrentam e se tornam duros ficamos atônitos sem saber onde foi que erramos. Erramos em diminuí-los e enfraquecê-los com amor demais. Demais. O que podemos deduzir é que a rejeição leva a problemas como também o amor excessivo. Até ouso dizer que os rejeitados são mais fortes porque têm de enfrentar em casa aquilo que o mundo trará depois e, em alguns casos, tornam-se mais resistentes por já se habituarem aos obstáculos desde cedo. Claro, há rejeições irreparáveis que trarão seqüelas irreversíveis.

Uma amiga me disse outro dia uma coisa curiosa: os pais tinham vacilado em fazer seu filho entender que suas opiniões não eram preciosidades do mundo e nem grandes verdades. Lamentavelmente, vem de uma admiração sem limites da parte dos pais produzindo na criança a atitude de se acreditar o centro do mundo, um tipo de auto-admiração. Criada como sua majestade o bebê, vive sustentando a crença de que quem foi rei nunca admite perder a majestade. O resultado é sair por aí espalhando arrogância, queimando mendigo, desrespeitando a lei, porque sempre esteve acima dela. Aprendeu em casa o regime de exceção.

Depois disso não adianta ir para a TV pedir socorro à sociedade do espetáculo como se fossem encontrar ali as soluções buscadas. Podem até registrar a vontade de melhorar a vida, mas esse é um trabalho que se faz na intimidade. Será que ainda existe alguma?

Como disse na última semana, a discussão sobre adolescentes, crianças e pais sem limites chega aos canais de TV deixando expostos as famílias e os adolescentes em seus piores ângulos, desconsiderando-os em toda a história pregressa e tudo aquilo que trazem do romance familiar carimbado na nuca. Ali onde não se pode ver ou saber: só se pode sofrer. É por isso que descartar aquilo que é o sujeito e fazer dele um deus ou um monstro não pode ser de bom tom, nem bom exemplo, nem uma boa forma de ajuda, pra ninguém.

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