Bancadas do crime

Tráfico de drogas, agora, quer eleger vereadores
É muito grave o que está ocorrendo no Rio de Janeiro. E engana-se quem pensa que se trata de fenômeno puramente carioca, incapaz de se alastrar para as outras grandes cidades. Pode muito bem chegar até nós, muito mais breve do que podemos prever. Lá, o tráfico não se contenta mais em financiar candidatos. Agora, quer seus próprios eleitos, fazer sua própria bancada de vereadores e, para isso, está disposto a usar todas as armas de que dispõe. Algumas de grosso calibre. Tudo foi descoberto com a apreensão, pela Polícia Civil, de documento na casa de Antônio Bomfim Lopes, o Nem, que é considerado o chefe do tráfico de drogas da maior favela do mundo, a da Rocinha. Trata-se de espécie de ata de reunião em que são listadas nove determinações do comando criminoso a serem observadas durante a campanha eleitoral. O propósito é garantir nas urnas vereador escolhido pela facção para defendê-la na Câmara Municipal. O documento não identifica o candidato, mas a polícia suspeita do presidente da Associação dos Moradores da Rocinha, Claudinho da Academia (PSDC), postulante a um mandato, qu afirma ter apoio de 100 líderes locais. Ele nega.

As ordens são taxativas e dão muito bem o tom de comando de quem as ditou, bem como o perigo que corre quem não cumpri-las. “Todo o empenho para o candidato da Rocinha, não aceito derrota! Ninguém trabalhando para outro candidato de fora”, manda o dono do território. E complementa com verdadeiros atentados à democracia: determina que seu pessoal não permita que ninguém na Rocinha agende visita de outros candidatos ou os convide para eventos; manda isolar pessoas que trabalham para outros candidatos, deixando de convidá-las para as próximas reuniões do grupo. E ninguém pode deixar de participar da campanha, pois quem faltar às reuniões será buscado em casa. E mais: pedido do candidato da Rocinha não pode ser negado em nenhum segmento de transporte (vans, mototáxis). Há notícias de que, nos últimos dias, outros candidatos tentaram fazer campanha na Rocinha, mas teriam sido aconselhados por pessoas armadas a mudar de idéia.

Por enquanto, não foram descobertos documentos similares e a polícia ainda não sabe se o mesmo quadro eleitoral da Rocinha se repete em outros territórios minados pelo crime. Mas é difícil acreditar que apenas a facção que controla a Rocinha tenha tido essa idéia. Afinal, é tão prática e de execução facilitada pela legislação e pela dificuldade de ação da polícia, ante o tamanho e a estrutura que o tráfico de drogas conquistou nos morros do Rio. Fruto da omissão, da incompetência e de não raras conivências das autoridades, acumuladas durante décadas, o tráfico de drogas na ainda Cidade Maravilhosa não pára de surpreender em ousadia. E, a cada novo lance, expõe a ausência do Estado e o preço que a sociedade paga por isso. Vítima diária de toda a sorte de golpes, a jovem e frágil democracia brasileira descobre, agora, que terá mais uma aberração a enfrentar: a formação de bancadas do crime. Nem vale a pena pensar no que elas vão aprontar nas câmaras, assembléias e futuramente até no Senado Federal. É inadmissível essa situação prosperar. Nem nos morros perdidos do Rio, nem muito menos nos aglomerados de Belo Horizonte.

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