As crianças de tempos idos ouviam a expressão envergadura moral, com muita freqüência, em seus lares. Era muito usada pelos pais, ao fazerem referência à competência moral de pessoas, cidadãos e cidadãs ilustres, pais de família, profissionais e governantes. Focar na aptidão moral dessas pessoas tinha força para marcar os corações com a sedução de que vale a pena percorrer o mesmo caminho com esse jeito de ser, considerando, como honra maior, a qualidade de ser digno e honesto. A expressão é antiga, com ocorrências pouco freqüentes no vocabulário das conversas contemporâneas. Caiu em desuso? Parece que sim. As razões são muitas, lamentavelmente. É desolador acompanhar diariamente o noticiário que a mídia oferece – sempre com maiores detalhes –, mostrando as complicações e colocando no cenário as figuras daqueles que não têm envergadura moral – por isso, são indiciados, condenados. É um verdadeiro horror constatar que a leitura de um jornal, por exemplo, é um contato direto com o lamaçal dos que não prezam a envergadura moral e escolhem percorrer caminhos vantajosos em detrimento do amor, da verdade, da liberdade e da justiça como valores fundamentais da vida social. Ora, esses valores sociais são inerentes à dignidade humana.
É um alento quando se proclama de alguém as proporções de sua envergadura moral, quando se considera o zelo com que exerceu sua profissão, não se tornando dono de muitos bens, a lisura com que governou sufragado pela confiança de um povo, com votação histórica e quase sem outra edição, o reconhecimento de seu modo transparente de fazer política e seu exercício no âmbito familiar, testemunhando o apreço por sua condição ilibada. A prática desses valores configura a envergadura moral de cada pessoa, favorecendo o desenvolvimento autêntico da dignidade humana e edificando uma convivência social aperfeiçoada. Compreende-se, conseqüentemente, que as reformas substanciais das estruturas econômicas, políticas, culturais e tecnológicas, e mesmo as mudanças nas instituições, dependem dessa condição dos agentes. Sem essa envergadura moral, o proponente responsável não tem condições de realizar mudanças e fomentar processos para respostas novas. Pelo contrário, muitos se afundam no lamaçal da corrupção e das vantagens, encantando-se com essas, em vez de impor uma démarche nesse processo avassalador de irregularidades e procedimentos imorais, que vão corroendo e solapando o que precisa ser intocável no sustento de uma sociedade justa e solidária.
É urgente trabalhar, mesmo lutando contra a maré, para recolocar o apreço pela envergadura moral como bem central da conduta humana. A falta de envergadura moral está comprometendo processos e esvaziando possibilidades de um novo caminho social e político. As lideranças são frágeis em razão da falta de envergadura moral. Na verdade, a moralidade não é tratada como referência a critérios que devem nortear a própria conduta, elevando-a à condição de ilibada, como fruto da ascese pessoal e da disciplina para conquistar a honestidade, o altruísmo, a generosidade e a abnegação. O interesse maior é sempre aquele de obter vantagens e comodidades. Tem mais gente à caça disso do que trabalhando de verdade para a edificação de uma sociedade solidária e justa. É preciso investir muito para convencer que viver na verdade tem um significado especial nas relações sociais, e é o que é condizente com a dignidade da pessoa.
O uso descomedido do dinheiro tem gerado um descompasso por comprometer a indispensável transparência e a honestidade no agir pessoal e social. Urgente também é compreender que a liberdade não é uma simples total autonomia do eu. Mas a liberdade é autêntica quando produz laços recíprocos, regidos pela verdade e pela justiça, unindo as pessoas. A doutrina social da Igreja Católica adverte a importância da formação que leva à vivência da liberdade como um desdobrar-se da capacidade de recusar tudo o que é moralmente negativo, seja qual for a forma em que se apresente. Bem assim, o empenho pela justiça, que consiste na vontade constante de dar a Deus e ao próximo o que lhe é devido, reconhecendo o outro como pessoa, bem como sendo critério objetivo e determinante da moralidade no âmbito inter-subjetivo e social. Neste tempo das eleições municipais, sem desconsiderar a configuração própria e persuasiva da propaganda eleitoral, é hora de avaliar a envergadura moral de quem se candidata. Os apadrinhamentos não podem ser suficientes para votar em alguém. Menos ainda alguém poder ser votado só por ser apresentado por outros ou pelos partidos. Quando alguém é eleito, não é quem o apresentou ou o apoiou que governa. Seu governo dependerá de sua envergadura moral. |
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