Certos problemas históricos, por insolúveis e recorrentes, vão anestesiando a consciência da nação. Aí estão os escândalos financeiros, tão fartos e se sucedem com tanta freqüência que a sociedade, estarrecida ao primeiro impacto, vai se acostumando e se esquecendo de cada um, ficando apenas com o escândalo em cartaz. O mesmo ocorre com a violência, hoje generalizada e que tem raízes profundas na história do país, que nasceu com o massacre dos índios e com os índios devorando um pobre bispo com o nome de Sardinha e na violência institucionalizada que era o sistema escravocrata. Hoje praticamos quase todo o cardápio de violência: mortes a tiros e a pauladas; torturas no sistema prisional; brigas familiares, com a mulher e a criança; o trânsito e o futebol que matam; assassinatos em escolas e supermercados; e mortes no velho estilo das emboscadas. O país está em guerra civil, as autoridades federais, estaduais, municipais e judiciárias apenas lamentam, como se nada tivessem com isso; e, o pior, o sistema de segurança mata, muitas vezes incentivado pelas autoridades, que, no desespero, procuram eliminar a violência com a morte de bandidos.
O problema é complexo e não tem solução a curto prazo. É evidente que na base de tudo está a impunidade. As leis são tão perfeitas e nelas os direitos individuais são tão protegidos que um advogado de porte absolve qualquer criminoso, pois sabe encontrar as brechas para recorrer ou anular o processo por algum vício formal. Os pobres, que não têm acesso a esses advogados, ficam mofando na cadeia por um furto de uma guloseima de R$ 3,10, como ocorreu com aquela jovem citada recentemente neste jornal por Frei Betto. Ela não teve um defensor que conseguisse em poucas horas um habeas corpus como o que beneficiou o banqueiro Daniel Dantas, que teria lesado o tesouro em R$ 1 bilhão.
Creio que os três poderes da República deveriam se unir em uma proposta que, sem deixar brechas para que inocentes sejam condenados, torne a Justiça mais ágil para condenar um réu sabidamente culpado. Precisamos aprimorar o treinamento de nossa força pública, enquanto não é possível abolir o uso das armas pela polícia, como ocorre em alguns países, ou que o militar só se sirva da arma em legítima defesa. A simples eliminação do bandido é barbárie. A punição dos réus e de toda infração tem um lado educativo. Não pensem os brasileiros que o Hemisfério Norte, por sua herança cultural, seja mais pacífico que nós, mas lá se pune. A Justiça italiana desbaratou a máfia sem dar um tiro, prendendo, julgando e fazendo os réus cumprirem as penas. A Lei Seca que vigora no Brasil há pouco mais de um mês já salvou muitas vidas, mexeu com as estatísticas da violência, porque tem havido punições severas. Há 3 mil anos, o primeiro Isaías falava do advento de um tempo em que o cordeiro iria dormir na toca do leão e as armas seriam transformadas em arados. Quando chegará esse tempo?
A paz é uma construção coletiva que deve começar no lar, entre os casais e na sua relação com os filhos por meio do permanente exercício da tolerância, da misericórdia, mas também da imposição de limites sem oscilação. Paz entre as igrejas sem a velha prática da hostilização gratuita. O teólogo Hans Küng costuma dizer que não haverá paz no mundo sem que haja paz entre as igrejas, e não haverá paz entre as igrejas sem a prática do ecumenismo. Desde o ensino fundamental à universidade, a educação para a paz deveria ser preocupação de todas as escolas e universidades, não como uma disciplina à parte, mas permeando todas as disciplinas. A imagem que alguns antropólogos têm de que esta é uma nação cordial não corresponde à verdade. Mas uma sociedade de iguais e de irmãos pode muito bem se transformar no sonho maior dos brasileiros. |
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