O brasileiro grampeado

Mais de 409 mil ligações em apenas um ano mostram falta de controle dessa prática
A prisão de um banqueiro, um megainvestidor e um ex-prefeito de São Paulo pela Operação Satiagraha, da Política Federal (PF), e a soltura de todos eles pela Justiça deflagrou uma série de trapalhadas que andam expondo o despreparo, os exageros e a falta de comedimento de tanta gente no Judiciário, na própria PF e no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda é cedo para dizer quem deixa de ficar mal na fita e, muito menos, onde tudo isso vai dar. Afinal, em meio a tanto barulho, fica difícil para o cidadão comum saber ou mesmo arriscar quem é culpado e quem é inocente nessa confusão. Mas seja qual for o desfecho, já há saldo positivo para sociedade, com a abertura de várias frentes de debate, desde o uso de algemas à chamada espetacularização das ações policiais. Se se aproveitar a oportunidade, muitos avanços podem ser feitos na legislação, nos métodos e nas posturas, pois o que estamos descobrindo são falhas importantes a serem corrigidas. No país do mensalão, continua grande a descrença quanto à punição a quem merece, e, por isso, qualquer ganho nessa confusão já será algo a comemorar.

É o caso da escandalosa prática do grampo telefônico. O assunto já caminhava para o esquecimento, mesmo tendo uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara do Deputados para tratar das suspeitas de que até ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram seus telefones grampeados. O bate-boca da Operação Satiagraha acabou por tirar essa CPI da penumbra e dar-lhe missão que só agora se percebe absolutamente urgente e fundamental. Mais do que caçar bruxas e identificar eventuais infratores da legislação atual, trata-se de realizar profundo e isento diagnóstico do problema para, ato contínuo, proporcionar ao país uma legislação eficaz que permita da um fim ao descontrole em que se encontra a chamada inteceptação telefônica no Brasil.

Basta um número já computado pela CPI para se afastar qualquer dúvida quanto ao tamanho do descalabro e do perigo que o grampo telefônico passou a representar para qualquer cidadão brasileiro. Como não há qualquer controle ou acompanhamento estatístico por parte das diversas instâncias ou varas do Judiciário, a CPI solicitou a todas as operadoras de telefonia que informassem quantas ordens de grampo telefônico tinham sido cumpridas em suas redes. A soma superou a inacreditável marca de 409 mil interceptações, somente em 2007. Isso significa que foram implantados nada menos do que 1.120 grampos por dia no país. É muito pouco provável que a metade deles não tenha motivo que justifique essa invasão de privacidade. Instrumento valioso de apuração policial e que tem garantido, em muitos casos, o desmantelamento de quadrilhas e o desmascaramento de criminosos, a escuta telefônica autorizada judicialmente deve ser preservada como último recurso. Deve ser concedida com parcimônia e com a preocupação de se respeitar o direito à privacidade. Além disso, é preciso que a lei deixe claro que a responsabilidade pelo conteúdo do que for gravado é de quem grava, resolvendo assim a questão do vazamento e de sua divulgação. Se caminhar nessa direção, a Comissão Parlamentar de Inquérito das Escutas Telefônicas Clandestinas não apenas dará ao país a chance de corrigir uma falha grave em sua legislação, como também vai ajudar a recuperar a credibilidade no desmoralizado, mas útil, instituto das CPIs.

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