Estética de guerrilha

Jovens artistas plásticos se unem em coletivos para explorar os problemas urbanos e propor formas criativas de ocupação de espaços degradados e desprezados pela especulação imobiliária
Sérgio Rodrigo Reis
fotos: Beto Magalhães/EM/D.A Press
Artistas de vários coletivos fazem de áreas degradadas do Centro de BH espaço de crítica social e ocupação artística

Eles já chamaram a atenção da sociedade de Belo Horizonte para a destruição do patrimônio histórico, para a falta de moradia e ainda alertaram sobre o mau cheiro do Ribeirão Arrudas. Em situações que o poder público e setores da população insistem em esquecer, coletivos de artistas entram em ação. Com intervenções sutis nos espaços públicos do Centro, eles têm conseguido chamar a atenção para os problemas urbanos e trazê-los de volta à ordem do dia. A estratégia é simples: definido o foco, os criadores se reúnem e propõem – a maioria de forma anônima – interferências rápidas com desenhos, colagens e instalações diante de monumentos, casas e locais abandonados. A união tem feito a força. Se, sozinhos, não conseguem dizer tanta coisa, juntos, suas ações ganham outra proporção.

A maioria dos coletivos mineiros surgiu de forma despretensiosa. Jovens egressos das escolas de arte, com dificuldade em expor em museus e galerias e com a necessidade de se posicionar politicamente diante dos problemas, resolveram usar as ruas. A organização dos grupos não segue regra única. Alguns se juntaram a partir de amigos comuns, outros surgiram depois de longas discussões na internet. Há aqueles que resolveram compartilhar ateliê, ou se reuniram em torno de um projeto comum. A peculiar organização virou mania entre os novos criadores.

“Surgimos por afinidade. Todos gostávamos de trabalhar nas ruas e sentimos a necessidade de nos unir para começar a aparecer”, lembra Lili Barreto, integrante do Pão com Durex, coletivo formado em 2003 por artistas como Asterack e Unisses (Um).

As intervenções do Pão com Durex têm como alvo potenciais situações que se banalizaram no cotidiano. “A partir de algo que nos incomoda, desenvolvemos provocações, por meio da arte. Nossos trabalhos indicam aquilo que ninguém percebe mais na cidade”, diz Lili. A criação ocorre ora em grupo, ora separadamente, reunindo pintura, adesivos, moldes vazados, grafite e instalações. Atualmente, a estética das HQs e do cinema os inspira. “Criamos uma grande história em quadrinhos a partir de cenas famosas de filmes e estamos colando os pedaços nas ruas. Deixamos em branco os balões com o espaço dos diálogos para as pessoas construírem a narrativa”, explica a artista. Além de chamar a atenção para os locais esquecidos, o trabalho traz clara a intenção de divertir e interagir com opiniões distintas. Nem toda ação é tão evidente.

Ao ataque O anonimato é o maior trunfo do Culundria Armada. Ao perceber as ruas de BH invadidas por arte sem autoria evidente, o fundador desse coletivo – que prefere não se identificar – se sentiu ansioso e instigado com o enigma. “A falta de autoria me incitou a saber mais sobre essa manifestação e a criar. Não sei desenhar nada, mas o simples fato de pegar a imagem, colocar ao lado de uma frase de efeito e colar em pontos estratégicos nas ruas muda tudo.” As intervenções em cascata do Culundria (o nome se refere ao título de um fazine) começaram por acaso. No fim de 2005, depois de debates acalorados na internet, o grupo resolveu levar arte de protesto para espaços públicos esquecidos, numa ação batizada de ataque-estick. Como não se conheciam, marcaram encontro na Praça Sete. “Achava que iriam três pessoas. Apareceram 25”, lembra o integrante.

Nem sempre as ações são consenso. População e até mesmo poder público, não raras vezes, confundem os artistas com pichadores ou baderneiros. O próprio Colundria coleciona passagens complicadas. Depois da derrubada de três casarões históricos, no Centro de BH, por uma igreja evangélica, os artistas anônimos organizaram protesto pacífico. “Propusemos às pessoas vestir preto e levar velas para o lugar”, lembra ele. A ação polêmica virou manchete nos jornais locais. Alguns dias depois, ao realizar outra intervenção, os resultados foram mais drásticos. “Doze dos 18 artistas foram presos sob acusação de vandalismo. Não pichamos. Mas, querendo ou não, quando se faz intervenção no espaço público, a gente se conecta nessa área. O limite é o bom senso. Só colamos em locais abandonados ou que estão à mercê”, garante.

O coletivo de meninas Rednails coleciona situações complicadas. “A gente vai colando, colando… Para nós, não é nada ilegal, pois atuamos nas ruas e vemos nossa atividade como arte”, justifica Carolina Jaued, a Krol, que algumas vezes foi advertida pelas autoridades. Apesar disso, seu grupo continua interferindo na aridez da metrópole com as figuras de três menininhas: uma normal, a outra rindo e a terceira com o dentinho quebrado. Coladas lado a lado, representam críticas distintas à sociedade de consumo.

Vazio ocupado O artista Gton encontrou outra forma de interferir na paisagem: “A cidade em si é muito cansativa em seu cotidiano. É interessante propor algo para modificar”. Seja no coletivo Entreaspas ou sozinho, ele sai pelas ruas à procura do lixo que pode ser transformado em instalações. As reações são as mais diversas. Certa vez, pegou uma porta velha, pintou e colocou-a dentro do Palácio das Artes. “Ficou lá um dia inteiro e ninguém mexeu. Acho que ficaram com medo de ser obra de algum conhecido.”



A ação conjunta de jovens artistas tem chamado a atenção não só no espaço público. Os monumentos abandonados da cidade são alvo do projeto de galeria de arte itinerante Kaza Vazia. Criado no final de 2005, o coletivo ocupa, de forma efêmera, casarões e, depois de um período de residência no qual cada integrante pensa o espaço de maneira distinta, a exposição é aberta ao público. Cada integrante é seu próprio curador e decide o que é digno de ser exposto. A arquitetura vazia, antes desocupada, torna-se, ao final do processo, espaço de acontecimento.

A primeira ocupação foi numa casa em frente ao Museu de Arte da Pampulha. Em seguida, outra, próxima ao Mineirinho, uma na Floresta, duas salas no Edifício Maleta e, a mais recente, nas lojas do terceiro andar do Mercado Novo. “A próxima deve ser no mês que vem. Há três possibilidades: uma casa no Santo Antônio, uma construção próxima à UFMG, ou um local no Barreiro. Cada ocupação é diferente. O coletivo decide de acordo com as possibilidades oferecidas pelo espaço”, explica o artista Paulo Nazareth. Diante desse tipo de manifestação artística, ao público resta abrir os olhos e prestar atenção nas ruas e espaços ociosos da cidade. Uma obra de arte pode estar bem ao lado.

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