Maria Berenice Dias, Vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Desembargadora aposentadaCom o esquisito nome de “alimentos gravídicos”, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, no último 15 de julho, o Projeto de Lei 7.376/06, que assegura alimentos durante o período da gravidez. Como o projeto esta sujeito à apreciação conclusiva, não há a necessidade de ser aprovado nem pela Câmara Federal e nem pelo Senado. Aguarda somente a sanção presidencial.
A responsabilidade parental desde a concepção é inquestionável. Porém, a falta de expressa previsão legal reconhecendo o dever alimentar do genitor mesmo antes do nascimento do filho, sempre ensejou alguma resistência em conceder alimentos ao nascituro. Raras vezes a Justiça teve a oportunidade de reconhecer a obrigação alimentar em favor da gestante, isso porque a Lei de Alimentos exige prova do parentesco ou da obrigação (Lei 5.478/68, artigo 2º). E, durante a gravidez, esta prova não existe. No máximo há a presunção da paternidade quando os genitores são casados (CC, artigo 1.597).
O máximo a que chegou a jurisprudência foi, nas ações investigatórias de paternidade, deferir alimentos provisórios quando há indícios do vínculo parental. Também passou a deferir alimentos ou após o resultado positivo do teste de DNA ou quando o réu resiste ou se nega a se submeter à perícia. Nessas hipóteses são deferidos alimentos provisórios, que vigoram a partir da data da sua fixação. Mesmo quando o autor não pleiteia alimentos, cabe ao juiz, de ofício, fixá-los, em face do que determina a lei que regula a averiguação oficiosa da paternidade (Lei 8.560/92, artigo 7º).
Assim, em boa hora o projeto de lei vem preencher injustificável lacuna. Porém, são tantos os equívocos, que não é possível sua integral aprovação. Apesar de aparentemente consagrar o princípio da proteção integral, visando assegurar o direito à vida do nascituro e de sua genitora, nítida a postura protetiva em favor do réu. Traz algo nunca visto: a responsabilização da autora por danos materiais e morais a ser apurada nos mesmos autos, caso o exame da paternidade seja negativo. Assim, ainda que não tenha sido imposta a obrigação alimentar, o réu pode ser indenizado, pelo só fato de ter sido acionado em juízo. Esta possibilidade cria perigoso antecedente. Abre espaço a que toda ação desacolhida, rejeitada ou extinta confira direito indenizatório ao réu. Ou seja, a improcedência de qualquer demanda autoriza pretensão por danos materiais e morais. Trata-se de flagrante afronta o princípio constitucional de acesso à justiça (CF, artigo 5º, inciso XXXV).
Ainda que salutar seja a concessão do direito, de forma para lá de desarrazoada é criado um novo procedimento. Talvez a intenção tenha sido dar mais celeridade ao pedido, mas imprime um rito bem mais emperrado do que o da Lei de Alimentos. O primeiro pecado é fixar a competência no domicílio do réu (CPC, artigo 94), quando, de forma expressa, o estatuto processual concede foro privilegiado ao credor de alimentos (CPC, artigo 100, inciso II). De qualquer modo, a referência há que ser interpretada da forma que melhor atenda ao interesse da gestante, a quem não se pode exigir que promova a ação no local da residência do devedor de alimentos.
A outra incongruência é impor a realização de audiência de justificação, mesmo que sejam trazidas provas de o réu ser o pai do filho que a autora espera. Da forma como está posto, é necessária a oitiva da genitora, sendo facultativo somente o depoimento do réu, além de haver a possibilidade de serem ouvidas testemunhas e requisitados documentos. Porém, congestionadas como são as pautas dos juízes, mesmo sem a audiência, convencido da existência de indícios da paternidade, indispensável admitir a dispensa da solenidade para a fixação dos alimentos.
Mas há mais. É concedido ao réu o prazo de resposta de cinco dias. Caso ele se oponha à paternidade, a concessão dos alimentos vai depender de exame pericial. Este, às claras, é o pior erro do legislador. Não há como determinar a realização de exame por meio da coleta de líquido amniótico, o que pode colocar em risco a vida da criança. Isso tudo sem contar com o custo do exame, que pelo jeito terá que ser suportado pela gestante. De qualquer forma, não há justificativa para atribuir ao Estado este ônus. E, se depender do Sistema Único de Saúde, certamente o filho nascerá antes do resultado do exame.
Os equívocos vão além. Mesmo explicitado que os alimentos compreendem as despesas desde a concepção até o parto, de modo contraditório é estabelecido como termo inicial dos alimentos a data da citação. Ninguém duvida que isso vai gerar toda a sorte de manobras do réu para esquivar-se do oficial de justiça. Ao depois, o dispositivo afronta jurisprudência já consolidada dos tribunais e se choca com a Lei de Alimentos, que de modo expresso diz: ao despachar a inicial o juiz fixa, desde logo, alimentos provisórios (Lei 5.478/68, artigo 2º).
Diante de todas essas imprecisões, dúvidas e equívocos, imperioso que sejam sancionados somente os artigos 1º, 2º e 6º do projeto, devendo o presidente da República vetar todos os demais dispositivos, única forma de a consagração dos alimentos gravídicos configurarem um verdadeiro avanço na proteção do nascituro.
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