Paternidades Possíveis, uma história de muitas sensibilidades

Para além da data culturalmente instituída como “o dia dos pais” estar se avizinhando, paternidades não é temática de um dia só, mas uma construção bastante antiga. Construção feita a muitas mãos, com muitos propósitos e que diz de muitos projetos de vida.
Com os projetos de lei, que hoje tramitam ou se esboçam no país propondo a ampliação da licença-paternidade, paternidade, enquanto tema relevante vem ganhando espaço na mídia, em alguns fóruns políticos, mas bastante pouco na vida das pessoas. O que diz da importância dos esforços no sentido de abrir brechas para se pensar as relações constituintes deste tema.
Problematizar o espaço do homem na gestação e nascimento do/a filho/a, repensar tempos e profundidades significa mexer na história de homens e mulheres. Significa questionar papéis, lugares e arranjos sociais muito bem estabelecidos e naturalizados.
Ao propor que os homens-pais possam ficar mais dias com suas crianças recém-nascidas, olhá-las, acarinhá-las, apropriar-se também deste momento, aprofundando afetos, sensibilidades, propormos subverter a lógica de um território predominantemente de mulheres no que diz respeito aos cuidados com bebês. Esta proposta introduz algumas interrogações em um processo tão bem consolidado, inclusive em relação aos pais homens homossexuais e repensando os diversos e possíveis arranjos de relações amorosas que coexistem, mesmo quando não legitimados na cultura.
Paternidade tem sido um tema olhado como “assunto de homens”, como maternidade é olhada como “assunto de mulheres”. Como se fosse possível falar de homens e mulheres como pessoas fora de uma intrincada rede de relações sociais. Vivemos entre códigos construídos também por cada um/a de nós. Códigos que servem para sustentar as relações como elas são/estão em algum momento da cultura.
Estas construções, feitas por homens e mulheres, longe estão de serem imutáveis, fixas, eternas, universais. Torna-se perigoso operar com verdades absolutas, quando tradições mudam, conceitos mudam, a moda muda, redescobrimos a vida a cada dia diferente.
Neste tecer da vida, que acontece quase imperceptivelmente na cultura a todo instante, cabe-nos perguntar pela fixidez de lugares, papéis, significados e intensidades que tentamos imputar ao viver de cada um/a.
Será mesmo que todas as mulheres “nasceram” para serem mães? Há um instinto materno?
O homem é mesmo tão desastrado e indelicado para cuidar de bebês? Serão as mães mais importantes para a constituição dos bebês em todos os níveis?
Por quê?
Estas são perguntas sobre questões que até hoje ainda tem o estatuto de verdades, de atributos e condições naturais, instintivas.
A quem interessa que assim seja e permaneça? Às mulheres que apesar de reconhecidas e valoradas positivamente pela sobrecarga do cuidado com filhos/as, embora vivam em decorrência a solidão e o peso? Aos homens, que violentamente, desde meninos são convocados à dureza, ao embrutecimento, à negação da sensibilidade, não sendo “feitos” para cuidar de suas crias?
A quem interessa tanta aridez, tanta rigidez, tanto controle? Talvez para garantir um conjunto de interesses do sistema em que vivemos, mas sistema que também construímos, portanto com possibilidade de questioná-lo.
A solidão de lugares, de afetos, nos coloca numa posição de valorosos/as perpetuadores/as do instituído, marchando prisioneiros de nossa própria produção.
Mulheres menos sós, menos sobrecarregadas, homens exercendo plenamente suas sensibilidades, bebês com mais colos e carinhos de mãos com texturas diferentes talvez tenham a oportunidade de vivenciarem mais intensamente a igualdade, a pluralidade.

Stelamaris Glück Tinoco, Fisioterapeuta
Movimento ‘30 DIAS para a Paternidade Consciente’

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