Conexão histórica


Acervo do escultor e colecionador português Acácio Videira, com importantes peças do povo lunda quioco, aguarda catalogação e interesse de museus ligados à arte e cultura africanas
Walter Sebastião
Fotos: Maria Tereza Corrreia/EM/D.A Press
O português Acácio Videira (1918-2008) morou em Angola por quase 30 anos. Na África, cuidou de adquirir peças dos nativos para o museu de uma companhia de diamantes. Em 1975, devido às guerras angolanas, transferiu-se para o Brasil e, a partir de 1986, morou em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Naturalizado brasileiro, recebeu o título de cidadão honorário da cidade.

Acácio criou elaboradas esculturas. As ricas referências da fonte que as inspirou – a arte do povo lunda quioco – extrapolam o estritamente artístico e sugerem um estudo etnográfico. Pouco conhecidas, as peças já foram apresentadas em discretos e esclarecedores eventos, que chamaram a atenção para o artista-pesquisador.

O acervo de Acácio – em poder do filho, José Manuel Primo Videira – guarda preciosas informações sobre a obra do homem que encantou Câmara Cascudo. Em carta, o importante pesquisador de cultura popular lhe ofereceu apoio. As criações artísticas somam mais de 200 exemplares, entre esculturas, guaches, aquarelas e projetos de ilustração para livros (sobre armadilhas, cestaria e motivos decorativos).

Ainda a ser inventariada, a coleção é extensa: são 350 peças africanas (máscaras, cestos de adivinhação, pentes, esculturas, cachimbos, facas, instrumentos musicais e adornos); cerca de 2 mil fotos (de festas, artistas, tatuagens, chefes de comunidades e figuras religiosas); um caderno com dezenas de desenhos feitos por Acácio, com pinturas, murais, sinais e símbolos. Há também um documentário em super-8. O acervo está guardado na casa de José Manuel Videira, no Bairro Havaí.

Esse material traduz meditada observação e o registro da vida e da cultura dos lunda quiocos. Os itens são acompanhados de fichas de identificação, com informações sobre escalas, autores, técnicas e materiais. Muitas delas foram empregadas na obra artística do próprio Acácio.

Emoção “Meu pai se apaixonou por um povo simples, humilde e sofredor, como os índios no Brasil. Ele se entregou a tudo isso por emoção”, conta José Manuel Videira, que sonha em reunir o acervo “em museu cultural, artístico, etnográfico e histórico”. Ele tem conversado com historiadores, sociólogos e críticos de arte. “Não gostaria de vender as peças isoladamente, nem gostaria de ser passado para trás”, afirma, defendendo negociações a partir da análise de especialistas.


José Manuel lembra a privação que o pai experimentou no Brasil. Não conseguiu se afirmar como artista, o que o levou à depressão. Mas não esconde a satisfação com as homenagens que Acácio vem recebendo. Belo Horizonte, graças ao crítico Márcio Sampaio, assistiu à exposição pioneira dele. Outra mostra, no Hospital Felício Rocho, realizada quando o pai estava prestes a morrer, foi emocionante. “Vi faxineiros, vigias, ajudantes de enfermagem e pessoas muito simples, que nunca tinham entrado numa exposição, com lágrimas nos olhos”, conta.

Artista e pesquisador Acácio Videira morreu em fevereiro, às vésperas de completar 90 anos. Ainda jovem, no Porto (Portugal), começou a cursar belas-artes, mas os estudos foram interrompidos quando o Exército o convocou para servir na Ilha de Açores. Lá ficou por 30 meses. Com o fim da 2ª Guerra Mundial, voltou para Portugal e conheceu Maria da Conceição. A família o enviou para Angola, para afastá-lo da moça, mas não adiantou. Os dois se casaram posteriormente.


Na África, começou a fotografar. Empregado de uma companhia de exploração de diamantes, ele trabalhou no museu etnográfico da empresa. Mais tarde, tornou-se responsável por visitar as tribos e adquirir peças. “Certa vez, pechinchando com povos que mal tinham visto um branco, propôs que o valor da peça fosse decidido por Deus. Com um truque de mágica, fez aparecer a nota em sua mão”, conta José Manuel.

Outra função de Acácio Videira era organizar festas com os nativos, por ocasião da visita de personalidades à companhia. Foi assim que conheceu os antropólogos brasileiros Gilberto Freyre e Câmara Cascudo. Câmara lhe fez uma recomendação: “Não leia nada sobre arte africana, escreva somente sobre o que você viu”. O conselho foi seguido à risca.

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