Olho no olho, a nova lição


JÚNIA CARVALHO

Jornalista e professora de ética
em comunicação da PUC Minas



De um lado, a riqueza encastelada nos salões e quartos de poucos. De outro, a miséria, que guarda becos e ruelas de guetos e favelas.

Numa ponta, governos que prometem fazer a justiça e a igualdade sair do dicionário.

Na outra, cidadãos atônitos e calados, que prosseguem descrentes das palavras e seus resultados. O apelo medieval da cena pula os séculos e se instaura confortavelmente no Brasil do segundo milênio.

No início da década passada, um termo ganhou fôlego na economia que, como maestro experiente, rege a suposta harmonia do mundo desenvolvido: responsabilidade social.

O conceito veio a galope até a estação do trem-bala, mas com dificuldade percebeu que era necessário descer em cada parada e, por isso, viajar rapidamente tornava-se improdutivo.

É que as pessoas eram ao mesmo tempo fim e meio. Portanto, seria preciso olhar nos olhos delas.

Batizada solenemente, a responsabilidade social guardou distância do primo pobre: o assistencialismo. Ele dava o peixe, ela ensinava a pescar. O chavão se espalhou e todo mundo achou que tinha entendido. O que quase ninguém percebeu é que toda responsabilidade é social e toda sociedade, para se constituir como tal, carece da prática da responsabilidade.

Então, por que responsabilidade social significa somente a adoção de projetos e ações pelas forças econômicas para minimizar flagelos que, como parte da sociedade, ela ajuda a alimentar? Responsabilidade é tarefa de todos, por todo o tempo.

O século XXI trouxe mais um termo que ajuda a compreender o movimento da iniciativa privada para avançar na evolução que o mercado determina: a sustentabilidade.

Por meio dela, a produção de riquezas se dará sem comprometer a capacidade das futuras gerações de também criar novos bens, considerando-se o respeito aos aspectos econômicos, sociais e ambientais.

Difícil falar de objetivos tão amplos e estratégicos sem falar de comunicação.

Até porque, atrás e na frente das fileiras do desenvolvimento sustentável, estão as pessoas que podem fazê-lo acontecer e que são as mesmas que dele irão se beneficiar.

E o negócio da comunicação é gente e suas relações com o mundo.

Empresas são feitas por pessoas. Esse potencial humano é muito mais do que a velha mão-de-obra, cujos braços faziam o que o seu mestre mandou. Independentemente do nível hierárquico, a ordem é participar. Para isso, é preciso conhecer. Qual o caminho a seguir?

Que importância tem o trabalho de cada um?

Por que valores são importantes?

Onde queremos chegar? Um dos reflexos dessa abertura, cujo território concentra a alma da comunicação, é a humanização das relações internas, primeiro passo para atuar responsavelmente. Empregados provam que santo de casa faz milagre.

Da porta pra fora, a complexidade se multiplica. Se do lado de dentro, a empresa é quem deve dizer a que veio, na comunidade, os olhos e ouvidos ocupam o lugar da boca.

Ainda assim, ver e ouvir não são suficientes.

A demanda colhida num grupo pode justificar a troca de uma bica por uma torneira de última geração. Se sim, o que fazer de uma tradição que veio dos antigos? Será que ela vai embora com a água que jorra mais depressa?

A garantia de não explorar dentro de uma propriedade rural pode representar o apoio do proprietário. Mas no interior, diferentemente das capitais, prevalece a proximidade da vista em detrimento da informação. Ali, preservar o espaço de um, não faz crer que se vá preservar o dos outros. E isso incomoda. Com essa retórica, não se faz aliados. A proximidade traz clareza e esta revela que o visitante não é da cozinha. Mal para as empresas, cuja maior conquista hoje é a confiança.

A comunicação caminha de braços dados com a observação e a releitura permanente de cenários. Por isso é companheira da responsabilidade social e da sustentabilidade.

Em certas instâncias, a evolução tecnológica é importante como meio. Mas nem de longe é o essencial. Da velha guarda vem a nova lição: resgatar o olho no olho, porque até agora nada provou tão bem que o diálogo é a porta para apurar com sensibilidade.

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