Às vésperas dos 45 anos do golpe de 1964, e cerca de 23 da redemocratização do país, alguns militares de ultra-direita ainda não entenderam o que se passou no país
27/08/2008
Editorial ed. 287
Depois do lamentável espetáculo do Clube Militar, na tarde de 7 de agosto, cuja repercussão só serviu para desabonar e expor ao ridículo seus organizadores e partícipes (além, é claro, do ministro da Defesa, doutor Nelson Jobim, que o permitiu), os setores mais renitentes da Reserva das nossas Forças Armadas passam a usar o expediente de uma associação, para prosseguir em suas arengas. Agora, é uma tal de Associação Nacional em Defesa da Democracia (ANDEC) quem surge conclamando as massas para encherem as ruas numa manifestação marcada para setembro, em São Paulo, contra a Impunidade e a Violência no país. De acordo com a entidade, eles aproveitarão “o mote utilisado (sic) para o chamamento às ruas”, e farão “duro discurso contra a desmoralização diuturna das nossas FFAAs” (sic).
O tom e os chavões da convocatória são de fazer inveja aos áureos momentos da guerra fria – tipo Guerra da Coréia ou a Crise dos Mísseis: “Chegamos ao limite do suportável (...) quando vemos a comunalha, enxovalhando e denegrindo nossas instituições, com o firme propósito de fincar essa bandeira desgraçadamente assassina, em solo brasileiro. Não (...) podemos deixar que o povo caminhe com os ouvidos tapados pelas cartilhas esquerdopatas, servindo de idiotas úteis aos interesses da camarilha”.
Há uma dificuldade em aprender com a própria experiência
Às vésperas dos 45 anos do golpe de 1964, e cerca de 23 da redemocratização do país, alguns militares de ultra-direita (especialmente os de pijama) decididamente ainda não entenderam o que se passou no país. O primeiro sintoma, neste sentido, é a idéia de que no pós-ditadura, os que a implantaram, que a geriram e garantiram, continuam “Os Vencedores”.
Nisto há algo de bufão, muito de bazófia e tudo de fanfarronice. Sobretudo quando essa insistente repetição, que soa como disco arranhado em vitrola quebrada, acontece meio à discussão da Lei de Anistia. E mais, da discussão também sobre a punição dos responsáveis pelas torturas, assassinatos e ocultações de cadáveres, durante os anos que aqueles senhores reinaram soltos, cometendo todo tipo de arbítrio e desrespeitos aos direitos humanos.
Seria necessário que esses epígonos do golpismo se dessem conta de que não existem vitórias nem derrotas definitivas. Muitas vezes, ganha-se uma batalha mais ou menos importante aqui, perde-se outra mais adiante.
Senão, como explicar, por exemplo, que são os “eternos vitoriosos” (como se imaginam) que não podem contar em público o que fizeram durante aqueles anos? que são os “eternos vitoriosos” os que morrem de medo que sejam abertos os arquivos da ditadura? que são “os eternos vitoriosos” que não podem erguer a cabeça, e olhar firme, olhos nos olhos dos filhos e netos, quando surgem as verdades sobre o passado?
Esses senhores deveriam, pelo menos, se dar conta de suas palavras e, sobretudo, da sua correspondência ou não à realidade, à objetividade factual, para não descambarem para o cômico, o grotesco – o ridículo, enfim, enxovalhando desse modo as nossas Forças Armadas e sua imagem no país e no exterior.
“O vosso tanque, meu general,
É um carro forte (...)
Mas tem um defeito,
precisa de um motorista”
Não se deram conta também, que não basta ter blindados, mísseis e submarinos nucleares e munição capazes de manter seis horas de batalha, para ganhar uma guerra. No caso desses senhores que hoje esperneiam, clamando pelos deuses e ameaçando inauditas vinganças (como se estivessem às vésperas de 64), é indispensável que entendam que, embora importante, não é suficiente ter armas: é necessário ter um programa político que dirija o golpe e, atrás de si, classes, amplos setores sociais organizados – isto é, base social. Talvez alguns deles sequer tenham se dado conta até hoje de que, usando a nova terminologia que acabam de lançar, eles sim, podem ter servido de “idiotas úteis” a um conjunto de classes que, depois de usá-los durante a ditadura (sobretudo para os papéis e tarefas mais sujos), com a redemocratização, esse mesmo conjunto de classes os abandonou à própria sorte, responsabilizando-os por uma “ditadura militar”, expressão que oculta a verdadeira natureza do regime implantado com o golpe, e os expõe (aos militares) enquanto bois-de-piranha, à execração da História.
Ou seja, seria necessário que o atual governo tivesse os inimigos que não tem, tanto em termos internos quanto no plano internacional, para que a nova aventura que parecem querer levar a cabo pudesse dar certo.
Mesmo tendo como ministro da Defesa o senhor Nelson Jobim, o atual governo é suficientemente forte em suas alianças pluriclassistas, para pouco se incomodar com tais arrufos patrioteiros do pessoal do pijama. Mas, apesar disto, não se justifica a decisão do presidente de manter em seu gabinete um ministro que, ao invés de botar ordem em seu Ministério, procura sempre se imiscuir em outras pastas, como um office-boy daqueles que deveria dirigir, em especial nas políticas do Ministério da Justiça e da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), que têm primado pela defesa intransigente da Constituição e de todo o arcabouço jurídico que conforma a atual República.
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