Militares criticam não terem sido convidados para audiência pública em defesa da punição dos torturadores e, em resposta, organizaram "anti-seminário" no Clube Militar do Rio de Janeiro
Maurício Seixas
de São Paulo (SP)
Poucos dias após a audiência, militares vieram a público criticar o fato de não terem sido convidados para o encontro e acusaram o ministro Tarso Genro de adotar uma “conduta revanchista”. Em resposta à audiência, os oficiais da reserva, com o apoio de comandantes da ativa organizaram uma espécie de "anti-seminário" no Clube Militar do Rio de Janeiro sob o argumento de que "eles também mataram e seqüestraram, e agora querem provocar os militares que engolem calados". Para o seminário, estava prevista a exibição de uma série de slides com fotos e uma biografia resumida da "atividade terrorista" de ministros de Estado e petistas ilustres.
Segundo Elizabeth Silveira e Silva, presidente do Tortura Nunca Mais, “os militares vão tentar de tudo para que esse debate não venha a público, além de que não há veracidade alguma nessa discussão sobre os crimes da esquerda”. De acordo com ela, o discurso do revanchismo é sempre utilizado quando ser quer saber o que aconteceu nesse período. “É uma desculpa para acobertar crimes e uma forma de desqualificar nossa luta. Não sou revanchista por querer saber o que aconteceu com meu irmão”, diz. Elizabeth é irmã do desaparecido Luiz René Silveira e Silva, que foi lutar Guerrilha do Araguaia em 1971. “Seríamos revanchistas se pedíssemos que eles passassem pelas mesmas coisas que os torturados e assassinados passaram”, observa.
Responsabilização
Na avaliação de Paulo Vanucchi, a discussão também não significa revanchismo, tampouco desrespeito às Forças Armadas. “É fundamental evitar falácias muitas vezes presentes de que, ao fazer a responsabilização judicial (a punição de torturadores) ou política dos criminosos, estamos atacando as Forças Armadas. Estamos é defendendo as Forças Armadas, porque elas não pertencem ao general-chefe, mas a todos nós, a cada cidadão e cidadã brasileira, que dela se orgulha”, disse.
Na opinião de Elizabeth, na medida em que nenhum governo pós-ditadura enfrentou o assunto, cada vez os militares “têm mais certeza de que nada vai lhes acontecer”, disse, referindo-se ao seminário organizado para discutir os crimes cometidos pela esquerda. “Se não fosse assim, não teriam a audácia de organizar esse encontro”, protesta. Na sua avaliação, um dos maiores “absurdos” são os livros que já foram publicados pelos militares, “onde inventam o que querem. Como os arquivos da ditadura ainda não foram abertos, não tem nem como contradizermos certas coisas”.
O ministro da Defesa Nelson Jobim também contestou a posição de Tarso Genro, ao afirmar que "a Lei da Anistia já esgotou os seus efeitos. Já foram anistiados, não existe hipótese de você rever uma situação passada", afirmou. Para ele, “mudar essa legislação seria a mesma coisa que revogar aquilo que já foi decidido anteriormente, que foi uma pacificação nacional”. Jobim disse que a discussão deveria ficar restrita ao Poder Judiciário, em vez de ser debatida pelo Executivo. “Não há qualquer responsabilidade histórica do Exército com relação a isso. O Exército continua com o seu prestígio nacional intocável. E nós estamos discutindo o futuro, não o passado. A gente acaba discutindo o passado e não se preocupa com o futuro”, criticou.
No banco dos réus
Enquanto no Brasil trazer à tona o debate sobre a responsabilização dos crimes da ditadura causa divergências entre ministros do governo e reações ousadas dos militares, na Argentina inúmeros torturadores da ditadura sentaram no banco dos réus. Recentemente a Justiça condenou o general Luciano Benjamin Menéndez, ex-comandante do 3º Corpo de Exército, à prisão perpétua pelas torturas e mortes de quatro pessoas no campo de extermínio La Perla.
Na avaliação da presidente do Tortura Nunca Mais, o Brasil, que nos anos de 1970, exportou know-how de tortura para várias ditaduras latino-americanas é o mais atrasado dos países latino-americanos no que se refere ao esclarecimento e responsabilização dos repressores da ditadura. Para ela, o governo atual tem sido uma “catástrofe” no que se refere à abertura dos arquivos da ditadura. “O que foi aberto é pouco significativo, e o que tem importância continua sob sigilo”, critica.
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