Defensor da tortura, Bolsonaro deve enfrentar processo na Câmara



“O grande erro foi ter torturado e não matado”. Essa frase dita pelo deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) durante bate-boca com manifestantes do Grupo Tortura Nunca Mais de Goiás e da União Nacional dos Estudantes (UNE) que protestavam na quinta (7), no Rio de Janeiro, em frente ao Clube Militar, contra ato dos militares da reserva que criticavam a posição de ministros do governo Lula a favor de punição para os crimes de tortura cometidos no regime militar, pode custar caro para o parlamentar fluminense. A liderança do PCdoB na Câmara dos Deputados debate na próxima terça (12) se ingressa com uma representação contra o deputado no Conselho de Ética da Casa por quebra do decoro parlamentar.


“Isso é uma incitação à violência e um atentado contra os direitos humanos”, reagiu a deputada federal Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) para quem é preciso dar uma basta no comportamento “destemperado” do parlamentar. “Não é a primeira fez que ele tem esses ataques. Em outras ocasiões já demonstrou descontrole com os seus próprios colegas de parlamento”, disse a deputada, que vai levar a proposta de representação para a reunião da sua bancada.

No revide aos manifestantes, Bolsonaro ainda disse: “Fodam-se!”. As frases grosseiras estão publicadas na matéria “Exército protesta contra revisão de Anistia e ataca terroristas”, do jornalista Raphael Gomide do jornal Folha de S.Paulo desta sexta (8). Se ocorrer a representação contra o deputado, que é capitão reformado do Exército, o texto servirá como prova no processo.

Chamado de viúva da ditadura militar, Bolsonaro já protagonizou episódios que irritaram até os deputados da oposição. Em 2005, durante depoimento de José Genoino, atual deputado federal por São Paulo e ex-presidente do PT, na sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Mensalão, ele provocou o petista ao levar como convidado para a sessão o coronel do Exército Lício Augusto Pereira Marciel, responsável pela prisão de Genoino na década de 70 quando combatia a ditadura militar na Guerrilha do Araguaia. Sob protesto, o deputado e o coronel acabaram deixando o local.

Não é a primeira vez que Bolsonaro defende a tortura. “Isso é que dar torturar e não matar”, disse o deputado, em junho de 1999, quando o delegado da Polícia Federal João Batista Campelo foi demitido sob a acusação de ter torturado o ex-padre José Antônio Monteiro. Dois meses depois, contrariado com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, o deputado saiu com essa: “Para o crime que FHC está cometendo contra o país sua pena devia ser o fuzilamento”. Na ocasião ele respondeu processo no Conselho de Ética, mas pelo visto não deu em nada.

Além da tortura e a defesa sistemática de ditadores, o deputado também já pregou a pena de morte e o fechamento do Congresso Nacional. Guarda ódio contra homossexuais e aos que combateram o regime militar. “Gastaram muito chumbo com o Lamarca. Ele devia ter sido morto a coronhadas”, disse em julho de 1996.

Punição para os torturadores

Depois de um bate-boca com o ministro Tarso Genro (Justiça), em maio passado, por ocasião de uma audiência na Câmara sobre a reserva indígena Raposa Serra do Sol, quando foi taxado de “saudosista da ditadura” e ter chamado o ministro de “terrorista”, Bolsonaro não poderia encontrar ambiente melhor do que o ato do Clube Militar no Rio para reaver sua diferenças com o ministro.

É que Tasso Genro, defensor de punição para os torturadores de presos da ditadura militar, foi o principal alvo das críticas do seminário a Lei de Anistia do Clube Militar. “Causou espanto a extemporânea e fora de propósito iniciativa de ministros do atual governo de se voltar a discutir uma lei cujos efeitos positivos se faziam sentir há bastante tempo. Foi um desserviço prestado ao Brasil e com certeza ao próprio governo a que pertencem”, diz um trecho da nota divulgada no final do encontro, que faz referência a Genro e ao secretário nacional dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi.

No local do ato militar estava o ex-comandante do DOI-Codi, Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado pelo Ministério Público Federal pela prática de tortura na época da ditadura.

Os procuradores da República de São Paulo Marlon Alberto Weichert e Eugênia Fávero, autores da ação contra Ustra, defendem que os envolvidos em atos de tortura e morte durante o regime militar devem responder cível e criminalmente. Pelo entendimento deles, esses tipo de crime não podem ser considerados atos políticos e, portanto, perdoados com base na Lei de Anistia de 1979.

PCdoB divulga nota

Em meio a polêmica, a comissão política do PCdoB, reunida na quinta (7) em Brasília, divulgou nota defendendo a punição de agentes do Estado que praticaram torturas e outras violações dos direitos humanos durante o regime militar.

“A punição dos responsáveis por essas atrocidades é um anseio da consciência democrática do país e uma das tarefas inconclusas do processo de redemocratização. A tortura e outros crimes acima nomeados são práticas afrontosas aos mais elementares preceitos da civilização. São condenáveis mesmo pelos tratados internacionais que estabelecem direitos e deveres para as instituições e os indivíduos em tempos de guerra”, dia um trecho da nota.

Lembra que o campo político progressista não tem interesse em cultivar o ódio e ressentimentos. “Quem tem essa atitude são os renitentes do obscurantismo e do golpismo. A presente situação mundial, marcada por ameaças contra os povos e os países, exige que a nação e suas instituições, inclusive as Forças Armadas, estejam coesas em torno da soberania nacional, da democracia e dos direitos de nosso povo”, conclui.

De Brasília,

Iram Alfaia

Nenhum comentário: