por Especial Hip-Hop*
Ao menos 30 representantes do estilo lançam candidatura, no Estado
Nas quebradas, rádios e bancas de CDs piratas de São Paulo, o rap abre espaço para o funk ''malicioso'' do Rio e anda em baixa, ao menos se comparado à explosão do fim dos anos 1990. Nos palanques, escolas e governos, o hip-hop, no entanto, mostra cada vez mais a cara e, aos poucos, transforma-se em movimento político, estruturado em todo o País. Neste ano, lançam-se ao menos 30 candidaturas a vereador e uma a prefeito, ancoradas nos dividendos sociais de um movimento que nasceu da expressão cultural da periferia.
''O funk é moda. No baile, tocam uma ou duas músicas dos Racionais, porque música é para dançar. O importante para o garoto é que ali ele não é discriminado, está entre os iguais e quer ganhar a menina'', diz o antropólogo João Batista Félix, que no doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) estudou hip-hop, cultura e política. Enquanto o rapaz do baile corteja a ''mina da noite'', integrantes da Nação Hip-Hop Brasil se colocam à frente de um projeto de conquista de poder, articulados nos 27 Estados brasileiros.
Além de apoio às candidaturas, o grupo indica representantes a conselhos de educação, saúde e cultura. ''Não basta simplesmente fazer denúncias. Tem de apresentar propostas de políticas públicas, a partir do olhar dos jovens da periferia'', diz Erlei Roberto de Melo, o Aliado G, do Faces da Morte, candidato pelo PCdoB a prefeito de Hortolândia (SP), com cerca de 200 mil habitantes. ''São candidatos do meio, legitimados e respeitados, mas não são lançados pelo hip-hop. São integrantes com ligação partidária ao PCdoB, PT e outros partidos. O movimento cresceu do interesse pela dança, grafite e música,'' pondera o antropólogo.
A participação nos conselhos, explica Felix, é benéfica na medida em que concretiza projetos do hip-hop. ''A presença nessas esferas não é apenas da Nação Hip-Hop Brasil. É uma característica de vários grupos do movimento para atuar e influenciar, como faz o movimento em defesa da criança e dos direitos da mulher. As propostas do hip-hop para a sociedade são viabilizadas com essas ações e com verbas do Estado'', diz Felix. Como exemplo, ele cita a conquista de bibliotecas públicas na periferia paulistana, capitaneadas pelo Força Ativa.
O hip-hop ganhou espaço nos governos principalmente com a aprovação, em 2003, da lei que institui o ensino da cultura afro-brasileira. A partir deste mês, pelo terceiro ano seguido, o projeto Africanidade vai levar a oito Centros Educacionais Unificados oficinas e eventos ligados à cultura africana. ''Em 17 anos como professora de escolas da periferia, sempre me perguntei como posso ensinar. Vi como o hip-hop pode ser uma linguagem para quebrar barreira entre aluno e professor'', afirma Anair Novaes, coordenadora do Africanidade.
Embrenhada em projetos em parceria com o setor público, a diretora nacional da Nação Hip-Hop, Maria Mercedes de Alencar, conta que, pela ONG Reação Positiva, já treinou em dois anos 8 mil jovens do Primeiro Emprego. Aulas profissionais, como ensino de elétrica e mecânica, ficam com os técnicos. Legislação trabalhista, cidadania, com discussões que vão da gravidez à arte e violência, usam a linguagem hip-hop. ''Temos cerca de 20 educadores que vieram do hip-hop'', diz.
''Com essa inserção, a militância se profissionaliza, o que é muito bom. O jovem, além da dança e da música, estuda, faz faculdade, especializa-se e surge uma nova geração no hip-hop'', afirma o antropólogo João Batista Félix. O especialista ressalta que o hip-hop, em alguns anos, vai contar com representantes nas universidade. ''E acredito que os primeiros políticos devam ser eleitos, como deputados estaduais ou federais, na Bahia ou Rio'', aposta.
Exemplo dessa nova geração é Guilherme de Souza Neto, o Oráculo, de 24 anos, da Nação Hip-Hop Brasil, que vai coordenar visitas às escolas do Estado. Ele engrenou nos estudos com ajuda do hip-hop. Aos 15, em 1999, ainda era o Enigma e pichava muros, traficava e assaltava. Na turma de reforço, uma ''professora sagaz'' lançou um desafio ao vê-lo escrever rap: explicar o hip-hop a outros alunos. ''O choque cultural entre professores e alunos na periferia é muito grande. O hip-hop ajuda a melhorar o diálogo'', avalia.
Guilherme e a professora conseguiram que o diretor da escola levasse os alunos à Casa do Hip-Hop, em Diadema, onde pesquisaram temas para palestras. Na volta, a escola parou para assistir aos seminários, que levaram dançarinos de break, grafiteiros, DJs e MCs - os quatro elementos do hip-hop. Passado o tempo, em 2003, Oráculo gravou seu primeiro CD. Dois anos depois, tornou-se presidente do diretório estadual da Nação Hip-Hop Brasil.
*Especial Hip-Hop, Espaço para convidados especiais do Hip-Hop a lápis.
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