Violência doméstica

Vera Lúcia Nascimento Moreira - Psicóloga, mestranda em psicologia social (PUC Minas)
A Lei Maria da Penha (11.340/06), que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras providências, acaba de completar dois anos. Por todo o Brasil, as comemorações se espalharam, com manifestações de movimentos feministas, discurso da ministra Nicéia Freire, notícias em jornais e revistas etc. Na oportunidade, foi tornada pública uma pesquisa realizada pelo Ibope/Themis – essa última a ONG Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero. O objetivo principal da pesquisa foi verificar se a sociedade tem consciência e percepção da magnitude do problema da violência doméstica e, segundo o estudo, 68% dos 2.002 entrevistados conhecem a lei e 83% acreditam que a legislação ajuda as mulheres que sofrem violência.

Na realidade, a Lei Maria da Penha representa grandes avanços na luta das mulheres contra a violência doméstica, tanto na tipificação dos crimes quanto nos procedimentos judiciais ou policiais. No entanto, as leis por si só não conseguem acabar com os problemas de violência doméstica, mas fortalecem e dão resposta a uma luta feminista e social para o enfrentamento da violência de gênero. Além da definição de violência doméstica, a lei trata, pela primeira vez em um texto legal, de forma detalhada, da definição de violência psicológica. O artigo 7º, inciso II, determina: “A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”. Esse tipo de violência não deixa marcas no corpo físico, pois suas cicatrizes são invisíveis a olho nu, mas fere a mulher na alma, destrói seus valores como pessoa humana e sua auto-estima. Viver com medo e aterrorizada prejudica a saúde mental da mulher, provoca doenças psicossomáticas, baixo rendimento no trabalho e pode levá-la ao suicídio.

As pesquisas apontam que, muitas vezes, o homem, antes de agredir fisicamente a mulher, precisa baixar a auto-estima feminina, de tal forma que ela tolere as agressões físicas. A pesquisadora Heleieth I. B. Saffioth afirma, por exemplo, que qualquer que seja a forma assumida pela agressão, a violência emocional está sempre presente, e cita como exemplos inaceitáveis para as mulheres o fato de os homens quebrarem objetos e rasgarem suas roupas, destruindo, de alguma maneira, sua identidade. Esse tipo de violência ocorre em diferentes níveis socioeconômicos, mas sabe-se que fatores como baixa renda e dificuldades financeiras favorecem variações na estabilidade do vínculo afetivo, assim como comportamentos agressivos variados. Os profissionais que lidam diretamente com mulheres, como médicos, assistentes sociais, psicólogos, seja na saúde, em delegacias ou em outros segmentos da sociedade, devem estar atentos, porque a identificação da violência psicológica pode estar diretamente ligada às medidas preventivas de enfrentamento da violência contra a mulher.

É necessário tirar a invisibilidade da violência psicológica contra a mulher, trazendo-a para discussões mais abertas no âmbito público, no sentido de mostrar que esse tipo de agressão também causa males em todos os membros da família. Os filhos, com certa freqüência, assistem às agressões sofridas pelas mães e crescem em um ambiente conturbado e perturbador do ponto de vista de saúde psíquica. Sabe-se que crianças que crescem em ambientes desse tipo podem desenvolver atitudes semelhantes, quando na idade adulta, repetindo o ciclo de violência. Há muito se esperava uma legislação que reconhecesse a questão de gênero que está diretamente ligada à violência contra a mulher. A perpetuação da idéia socialmente construída de que homens são superiores às mulheres criou o pensamento da dominação destes sobre essas.

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