Da adolescência para a vida adulta

PATERNIDADE PRECOCE

Gravidez precoce mistura deslumbramento e angústia, mas faz com que jovens exerçam senso de responsabilidade
Márcia Maria Cruz
Beto Magalhães/EM/D.A Press
Henrique de Souza Espanhol, de 4 anos, mora com a mãe, mas tem o apoio financeiro e afetivo do pai Wallison

David Douglas Gomes Pereira, de 16 anos, tem estatura e corpo de um adolescente e se comporta como tal: se envergonha das espinhas no rosto e sonha ser reconhecido pelo talento em armar jogadas no meio-de-campo. Ele espera ser, um dia, escolhido para compor a equipe de um grande time de futebol – desejo acalentado por muitos de sua idade. Espelha-se em ídolos como Kaká e Ronaldo Gaúcho, que jogam na posição centroavante. No meio dessa história e desses sonhos, surgiu a pequena Anni, fazendo com que ele tivesse uma outra postura diante da realidade. No lugar de crises existenciais típicas da idade, problemas concretos para cuidar da filha, como ter recurso para alimentá-la e educá-la.

Por essa inesperada, mas feliz surpresa, David marca o nascimento da filha Anni Vitória, de 1 ano e 7 meses, a partir do próprio aniversário. É preciso: “minha filha nasceu 19 dias antes de eu completar 15 anos.” A data que geralmente é encarada como um rito de passagem para a adolescência, representou um pulo na vida de David, como uma entrada precoce para a vida adulta. O mesmo ocorreu com a namorada, Ágda Line de Sousa, na época com 13 anos.

Milhões de razões podem ser indicadas para a gravidez na adolescência, mas todas elas se materializam no não uso de métodos contraceptivos. O jovem reconhece que, na época, não soube usar corretamente o preservativo. “Depois entrei no projeto, mas a Ágda já estava grávida de 4 meses. Então, comecei a aprender, mas era tarde demais”, diz, referindo-se ao projeto Amigos do Cafezal. Idealizada pela pesquisadora Maria Nogueira, o projeto discute sexualidade com os adolescentes e procura criar meios para que eles possam ir ao centro de saúde.

Diferentemente de muitos jovens, que em situações semelhantes abandonam as responsabilidades, David tem tentado estruturar a vida: continua estudando e trabalha na Associação Profissionalizante do Menor de Belo Horizonte (Assprom). “O salário é de R$ 340, mas com os descontos recebo R$ 280”, conta. Entre o trabalho e a escola, arranja tempo para buscar a filha na creche. “Eu vejo a Anni e penso: olha o que eu fiz”, afirma com um misto de responsabilidade e deslumbramento. À noite, quando a menina chora, ele toma conta dela, pois a namorada tem de acordar muito cedo para trabalhar, mas confessa que não é muito hábil em trocar fraldas.

David foi informalmente adotado pela tia da namorada, a agente de saúde Ilzivete Souza Conceição, de 30, que ajuda a cuidar da sobrinha, da sobrinha-neta e também dele, um genro emprestado. A ausência da figura paterna sempre foi um problema para David, que a vida toda ajudou a mãe a tomar conta dos irmãos mais novos. “Vi meu pai pela última vez, quando tinha 6 anos. Sentia muita falta dele no Dia dos Pais. Agora não sinto mais, porque tenho a Anni”, revela.

A surpresa de uma gravidez indesejada também ocorreu para Wallison Glauber, de 19, e a namorada Diana de Souza, de 21. O casal nem sempre usava preservativos nas relações sexuais e, em uma dessas inconstâncias, foi gerado o pequeno Henrique de Souza Espanhol, que está com 4 anos. O casal, embora mantenha o relacionamento, não mora junto. Wallison garante dar todo o apoio ao menino – afetivo e econômico –, dentro de suas possibilidades. Como servente de pedreiro, recebe mensalmente R$ 600. “Compro roupa, biscoito, iogurte… Esse tipo de coisa que criança gosta”, afirma.

Beto Magalhães/EM/D.A Press
David Douglas Gomes Pereira assumiu a paternidade aos 14 anos e adora a filha Anni
MATURIDADE
O jovem se orgulha do fato de a primeira palavra dita pelo menino ter sido “papai” e também da preferência que a criança tem por ele. “Meu maior sonho é ter minha casa e criar meu filho com a Diana.” Mas nem tudo são sorrisos e gargalhadas de criança, e Wallison sente a responsabilidade de ser pai, principalmente quando o filho está doente e ele precisa levá-lo ao centro de saúde. Com 19 anos, ele faz uma reflexão sobre maturidade. Em geral, os adolescentes que se tornam pais amadurecem, mesmo que de forma forçada. “Era jovem na época. Agora amadureci, porque antes era um meninão. A responsabilidade cresceu”, diz.

Jovens como David e Wallison não são maioria. “Quando as meninas engravidam, a maior parte dos meninos não assume, abandonando a mãe e a criança. Em muitos casos, eles assumem outras namoradas”, informa a enfermeira Judith Kelly Abras Lessa Freitas. A médica generalista Simone Teixeira, do Centro de Saúde Cafezal, alerta para a importância de políticas de atendimento aos adolescentes, que muitas vezes ficam esquecidos. O ideal são programas que possam falar sobre métodos contraceptivos, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e Aids, antes que o jovem comece a vida sexual.

GRAVIDEZ E JUVENTUDE

RISCOS MÉDICOS

Maior incidência de prematuros e recém-nascidos de baixo peso
Maior incidência de pré-eclampsia, de partos complicados
Maior incidência de doenças venéreas
Depressão

RISCOS SOCIAIS

Fuga de casa
Abandono da escola
Abuso de drogas e álcool

CAUSAS

Conflitos familiares e afetivos
Desagregação familiar, levando à omissão
Busca de identidade própria
Busca de segurança
Baixa escolaridade e baixa renda
Falta de perspectiva na vida
Dificuldade de acesso aos métodos anticoncepcionais
Desconhecimento dos métodos anticoncepcionais

SOLUÇÕES

Melhoria das condições socioeconômicas
Escolas em tempo integral
Adequação de toda a cadeia de atendimento para que as adolescentes possam ser tratadas de maneira diferenciada. Desde Programa Saúde da Família (PSF) aos postos de saúde
Capacitação de médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais para lidar com os adolescentes
Criação de espaços específicos nos centros de saúde para preservar a privacidade da adolescente. Garantia de confidencialidade
Facilidade de acesso aos anticoncepcionais

Fonte: Antônio Aleixo Neto, obstetra e professor do Hospital das Clínicas da UFMG

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