Anistia não deveria proteger torturadores


Em audiência pública organizada pelo Ministério da Justiça e pela Comissão de Anistia, os ministros Tarso Genro e Paulo Vanucchi defendem julgamento de agentes que praticaram tortura durante o regime militar

Em audiência pública organizada pelo Ministério da Justiça e pela Comissão de Anistia, os ministros Tarso Genro e Paulo Vanucchi defendem julgamento de agentes que praticaram tortura durante o regime militar



Maurício Seixas

de São Paulo (SP)


A defesa da punição dos agentes do Estado que torturaram, seqüestraram e mataram durante a ditadura militar (1964- 1985) – antes reivindicação apenas de familiares de mortos e desaparecidos e de organizações de direitos humanos – ganhou novo fôlego após uma audiência pública promovida pelo Ministério da Justiça e pela Comissão de Anistia para discutir o assunto, no dia 31 de julho. Na ocasião, os ministros da Justiça, Tarso Genro, e da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, classificaram os crimes cometidos por funcionários públicos durante o regime militar como comuns, e não políticos, e assim, devem ser julgados.

Genro disse que os agentes da repressão política agiram dentro da legalidade da própria ditadura ao prender militantes, mas que os crimes começaram no momento em que os prisioneiros foram torturados. No entanto, destacou, “durante todo o período do regime militar, não havia nenhuma norma legal que permitisse atos de tortura”. Para ele, essa "é uma análise que deve ser baseada em uma visão universal: que é do extravasamento do mandato dado pelo Estado e a responsabilização do agente que extravasa esse mandato e comete tortura".

Consolidação democrática

Vanucchi apontou que a discussão envolvendo a punição dos torturadores é um marco para preparar avanços no caminho da consolidação da democracia. “É o estabelecimento de um sólido sistema de garantias que impede qualquer tipo de tentação de retomarmos um passado que o Brasil inteiro repele”, disse. Genro destacou que, atualmente, qualquer agente público que cumpra um mandato precisa obedecer os limites jurídicos, e que caso não o faça, será responsabilizado. “Esse raciocínio serve para o regime democrático, mas não para um regime ditatorial?”, questionou.

De acordo com Vanucchi, o Brasil tratou a anistia de modo diferente de todos os demais países do mundo, e que um dos motivos de não se ter ido a fundo na questão é o fato de muitos torturadores ainda manterem cargos e influência no país.

A Lei de Anistia 6.883, aprovada em 28 de agosto de 1979, durante o governo do presidente João Baptista Figueiredo, garantiu anistia a todos os que cometeram crimes políticos ou conexos entre setembro de 1961 e agosto de 1979. Consideram-se conexos os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. Ou seja, do ponto de vista jurídico, um crime só pode ser considerado conexo quando está relacionado com um crime principal.

Anistia para quem?

Organizações de direitos humanos e juristas como Fábio Konder Comparato e Hélio Bicudo questionam a validade da aplicação dessa lei a militares responsáveis por mortes e desaparecimentos de militantes políticos. De acordo com Elizabeth Silveira e Silva, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM-RJ), “não há nada nessa lei que diga que torturador deve ser anistiado. As torturas que fizeram não foram crimes políticos, tampouco conexos”, pontua. Segundo ela, “não há a menor conexidade em prender pessoas arbitrariamente, mas, à época [da promulgação da Lei de Anistia] foi feita uma interpretação equivocada para beneficiar os torturadores”.

A procuradora de Justiça Federal, Eugênia Fávero, que também esteve presente na audiência pública esclareceu como os torturadores não estão protegidos pela Lei de Anistia ou qualquer outro instrumento legal do país ou internacional. Ela, junto com outros procuradores, entre eles Marlon Weichert, abriu processo contra os torturadores chefes militares do DOI-CODI, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, por prática de torturas e pela morte de quase uma centena de militantes em longas sessões de torturas. Segundo Eugênia, “os crimes dos torturadores são de lesa-humanidade, portanto, não são merecedores de anistias políticas, pois não são crimes cometidos por motivação política, mas sim cometidos por um regime que praticava a perseguição política sistemática e generalizada”. Além disso, a procuradora explicou que a legislação internacional proíbe o Brasil de tratar torturadores como se fossem criminosos políticos.

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