Grafite : Do protesto à profissionalização

Glória Tupinambás
Euler Júnior/EM/D.A Press
Daniel do Carmo busca na especialização uma forma de se destacar na profissão e aprofundar conhecimentos

Tubos de spray, pincéis e tintas a óleo pintam os muros de Belo Horizonte e desenham um novo cenário no mundo acadêmico e no mercado de trabalho. O grafite, antes apenas arte de protesto das periferias e genuína expressão do movimento hip hop, aos poucos se transforma em objeto de estudo em cursos de educação artística em universidades públicas e privadas. Como profissão, a manifestação cultural já demarcou seu espaço e hoje é meio de sustento de uma legião de jovens. Essa nova realidade vai estar estampada em painéis e telas da 1ª Bienal Internacional de Grafite, que promete agitar a capital a partir desta semana.

As artes plásticas e visuais estão na lista de cursos de graduação oferecidos em cinco universidades públicas de Minas. A crescente procura pela área se reflete nos números da maior instituição federal de ensino do estado, a UFMG. A relação candidato/vaga no vestibular 2008 para artes visuais teve um aumento de 45% em relação ao ano passado, chegando a 9,24 alunos na disputa por uma cadeira. A Escola Guignard, ligada à Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), oferece o maior leque de opções para os interessados, que podem escolher entre bacharelados e licenciaturas em artes visuais e plásticas e educação artística.

Dono de exuberantes figuras que hoje enchem de cor a paisagem da capital, Warley Fabiano Santos, de 25 anos, mais conhecido como Warley Bombi, cultiva a paixão pelo desenho desde criança. “Rabiscava as paredes de casa e deixava minha marca por todas as partes. Há nove anos, o grafite me chamou a atenção e, hoje, não vejo outra trajetória de vida senão a arte”, diz Bombi, aluno do 6º período de educação artística da Escola Guignard.

O talento do jovem poderá ser visto em duas exposições durante a 1ª Bienal Internacional de Grafite, a Grande Arte e a Diálogos. Nas telas, ele pretende dar vida ao trabalho que desenvolve com jovens carentes da organização não-governamental Associação Imagem Comunitária (AIC). “Sou um multiplicador da arte e isso é importante para que eu tenha o reconhecimento da minha família. Sou de origem pobre, filho de pessoas que não têm contato com arte, com galerias, e ter um retorno financeiro do meu trabalho é fundamental”, conta Warley, que também participa do Observatório da Juventude da UFMG.

Euler Júnior/EM/D.A Press
Estudante da Guignard, Warley Santos sempre foi apaixonado pelo desenho e hoje não vê sua vida sem a arte

Daniel do Carmo, o Ovlha, de 27, também pretende alçar grandes vôos com o grafite. Formado em artes plásticas pela Escola Guignard, ele agora se dedica à pós-graduação em história da cultura e da arte na UFMG. “Sempre gostei de pintura e desenho, mas, há dois anos, aprendi a usar o grafite nas artes. Tenho buscado formação acadêmica na área para desenvolver meu talento e agora a arte é minha profissão. Conclui a graduação em dezembro, comecei a trabalhar em janeiro e já tenho meu carro e minha independência financeira”, diz Ovlha, que também é professor do projeto Arena da Cultura, da Prefeitura de BH.

HISTÓRIA O grafite, arte marginal que nasceu na Europa, teve seus primeiros registros no Brasil na década de 1970. E, na última semana, a manifestação ganhou um novo status: a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que trata da descriminalização do grafite. O texto diferencia pichação de grafitagem, que valorizaria o patrimônio público e privado desde que autorizado pelo proprietário do imóvel.

“A arte contemporânea reconhece o grafite como autêntico e o fenômeno está presente nas grandes e pequenas cidades. Os artistas são o espelho de seu tempo e esse movimento não vem de uma elite econômica, cultural e política, mas das periferias. A grande mudança é que a sociedade vai olhar de maneira diferenciada para essa manifestação, carregada de sopros de liberdade e de originalidade. O grafiteiro tem que buscar formação profissional e o mercado absorver esses profissionais é um reconhecimento do valor dessa linguagem”, afirma o artista plástico e professor universitário Rui Santana, que também é o idealizador e coordenador-geral da bienal.

BIENAL Grafiteiros dos quatro cantos do Brasil e de outros seis países da Europa, África, Ásia e América do Norte, vão se reunir em BH, de 30 de agosto a 7 de setembro, para participar da 1ª Bienal Internacional de Grafite. Ao todo, 120 artistas e 190 DJs vão participar de quatro exposições, seminários, oficinas e intervenções urbanas. O evento terá entrada franca das 9h à meia-noite, na Serraria Souza Pinto, na Avenida Assis Chateaubriand, 809, no Bairro Floresta, na Região Leste da capital. Informações no www.bigbh.com.br

ONDE CURSAR

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) artes visuais
Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) artes visuais, artes plásticas e educação artística
Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) núcleos de arte; ofícios; e conservação e restauração
Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) artes visuais
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) – artes

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