Pablo Martinez/AP-22/8/03 | | "Estou feliz de estar com vocês neste dia que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação.
Cem anos atrás, um grande americano, sob cuja simbólica sombra estamos hoje, assinou a Proclamação de Emancipação. Esse importante decreto veio como uma luz de esperança para milhões de escravos negros que haviam sofrido nas chamas da injustiça. Um decreto que veio como a alvorada de uma longa noite do cativeiro em que padeciam.
Cem anos se passaram e o negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do negro ainda é tristemente paralisada pelas algemas da segregação e as cadeias da discriminação. Cem anos depois, o negro vive solitário em uma ilha de pobreza em meio a um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o negro ainda desfalece à margem da sociedade americana e se encontra exilado na sua própria terra. Desse modo, estamos aqui para expor essa vergonhosa condição.
De certo modo, viemos à capital de nossa nação para cobrar uma dívida. Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e a Declaração da Independência, estavam assinando uma promissória da qual todo americano seria herdeiro. Essa nota era uma promessa de que todos os homens, sim, os homens negros, bem como os homens brancos, teriam garantidos os direitos inalienáveis de vida, liberdade e a busca da felicidade.
Hoje, é óbvio que aquela América não apresentou essa nota promissória. Em vez de honrar a obrigação sagrada, a América deu para o povo negro um cheque sem fundo, um cheque que voltou estampado com a expressão "saldo insuficiente". Mas nós nos recusamos a acreditar que o banco da justiça está falido. Nos recusamos a acreditar que não haja capital suficiente no cofre de oportunidades desta nação. Assim, viemos trocar este cheque, um cheque que nos dará o direito de reclamar as riquezas de liberdade e a segurança da justiça. Também viemos a este lugar sagrado para recordar a América dessa cruel e atual urgência. Este não é o momento para descansar no luxo refrescante ou engolir o remédio tranqüilizante do gradualismo. Agora, é o tempo de transformar em realidade as promessas de democracia. Agora, é o tempo de deixar o escuro e desolado vale da segregação rumo ao ensolarado caminho da justiça social. Agora é o tempo de erguer nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a rocha sólida da fraternidade. Agora é o tempo de fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.
Seria fatal para a nação negligenciar a urgência do momento. Este verão sufocante do descontentamento legítimo dos negros não passará até termos um outono renovador de liberdade e igualdade. Este ano de 1963 não é um fim, mas um começo. Os que acreditam que o negro precisava de alívio e agora está contente terão um despertar incômodo se a nação continuar agindo da maneira como sempre se comportou. Não haverá descanso nem tranqüilidade até que o negro obtenha seus direitos de cidadania. Os ventos da revolta continuarão a sacudir as fundações da nossa nação até que nasça o brilhante dia da justiça.
Mas há algo que preciso dizer ao meu povo que se encontra na entrada do palácio da justiça. No processo de conquistar nosso lugar legítimo, não devemos ser culpados de erros que foram cometidos. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da taça da amargura e do ódio.
Sempre temos de conduzir nossa luta num alto nível de dignidade e disciplina. Não devemos permitir que nosso criativo protesto se degenere em violência física. Novamente, temos de subir às majestosas alturas para reunir força física com a força da alma. A maravilhosa nova militância que envolveu a comunidade negra não deve nos levar a desconfiar de todas as pessoas brancas, porque muitos de nossos irmãos brancos, como podemos comprovar pela presença deles aqui, percebem que o destino deles está atado ao nosso destino. Eles percebem que a liberdade deles está inextrincavelmente ligada à nossa liberdade. Nós não podemos caminhar só.
Enquanto caminhamos, devemos assegurar que sempre marcharemos à frente. Não podemos retroceder. Há os que perguntam aos combatentes pelos direitos civis: "Quando é que vocês estarão satisfeitos?" Não estaremos nunca satisfeitos enquanto o negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. Não estaremos nunca satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não puderem ter uma cama nos hotéis das estradas e das cidades. Não estaremos nunca satisfeitos enquanto a mobilidade básica do negro for de um gueto menor para um maior. Não estaremos nunca satisfeitos enquanto for negada auto-estima às nossas crianças e sua dignidade roubada por placas dizendo “Somente para brancos”. Não estaremos nunca satisfeitos enquanto um negro do Mississipi não puder votar e um negro em Nova York acreditar que ele não tem motivo para votar. Não, não, nós não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão corram abaixo como águas de uma poderosa correnteza.
Eu não desconheço que alguns de vocês vieram até aqui depois de grandes provações e sofrimentos. Alguns de você saíram há pouco tempo de celas apertadas das prisões. Alguns de vocês vieram de áreas onde a busca pela liberdade lhes deixaram marcas das tempestades das perseguições e dos ventos de brutalidade policial. Vocês são veteranos do sofrimento. Continuem trabalhando com a fé de que sofrimento imerecido é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Louisiana, voltem para as favelas e guetos de nossas cidades do Norte, sabendo que de alguma maneira esta situação pode e será mudada. Não se deixem cair no vale de desespero.
Hoje digo a vocês, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades atuais e de amanhã, eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Eu tenho um sonho de que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença – nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos: que os homens nascem iguais.
Eu tenho um sonho de que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar juntos à mesa da fraternidade.
Eu tenho um sonho de que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, com o calor da opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça.
Eu tenho um sonho de que meus quatro pequenos filhos vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter.
Eu hoje tenho um sonho!
Eu tenho um sonho de que um dia, no Alabama, com seus racistas perversos, com seu governador de cujos lábios escorrem palavras de intromissão e negação; um dia nesse mesmo Alabama, meninos negros e meninas negras poderão dar as mãos com meninos brancos e meninas brancas, como irmãs e irmãos.
Eu hoje tenho um sonho!
Eu tenho um sonho de que um dia todo vale será exaltado e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares acidentados serão aplainados, os lugares tortuosos, endireitados, e a glória do Senhor será revelada e todos nós estaremos juntos.
Esta é nossa esperança. Esta é a fé com que volto para o Sul. Com esta fé poderemos extrair da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé poderemos transformar as discórdias estridentes de nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ir para a cadeia juntos, defender a liberdade juntos, sabendo que seremos livres um dia.
Este será o dia em que todas as crianças de Deus poderão cantar com um novo significado.
‘Meu país, doce terra de liberdade, eu te canto.
Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos,
De qualquer lado da montanha, deixe a liberdade soar!’
E se a América é uma grande nação, isto tem de se tornar verdadeiro.
Então, deixem a liberdade soar do topo da montanha de New Hampshire.
Então, deixem a liberdade soar das poderosas montanhas de Nova York.
Então, deixem a liberdade soar das alturas dos Alleghenies da Pennsylvania!
Então, deixem a liberdade soar das montanhas rochosas cobertas de neve do Colorado!
Então, deixem a liberdade soar das ladeiras curvas da Califórnia!
Mas não é só isso. Então, deixem a liberdade soar da Stone Mountain da Geórgia!
Então, deixem a liberdade soar das montanhas do Tennessee.
Então, deixem a liberdade soar em todas as colinas do Mississipi. Em todas as montanhas, deixem a liberdade soar.
E quando isto acontecer, quando permitirmos a liberdade soar, quando deixarmos ela soar em todas as casas e vilarejos, em todo os estados e cidades, poderemos acelerar o dia em que todos os filhos de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar as mãos e cantar as palavras do antigo hino negro:
‘Enfim livres, enfim livres.
Agradeço ao Deus todo-poderoso, afinal somos livres.’
Íntegra do discurso pronunciado por Martin Luther King em 28 de agosto de 1963 |
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