Pobre classe média

Dídimo Paiva - Jornalista
Dois órgãos oficiais, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), se juntaram para fazer um retrato estatístico virtuoso do Brasil (jornais de 6/8). Manipulando números da estatística, que Jules de Goncourt dizia ser a primeira das ciências inexatas, disseram que a população pobre ou miserável caiu de 34% para 25,2%; a classe média subiu de 44% para 51,9%. Os ricos somam 1% da renda. Como estatística é complexa, tanto que Disraeli dizia que há mentira, mentira deslavada e a estatística. Vale anotar os valores do Ipea e da FGV de cada classe: rico é quem tem renda superior a R$ 16,6 mil (40 salários mínimos); classe média (C) recebe de R$ 1.064 a R$ 4.591; pobres têm renda familiar abaixo de R$ 768. Remediado para a FGV percebe R$ 728 mensais, enquanto o Ipea considera pobres aquelas famílias que têm renda mensal de até R$ 207,50 (meio salário mínimo), em valores de julho/2008.

A publicação ganhou primeira página e duas páginas internas dos jornais nacionais (inclusive o EM) e logo se vê o sentido aparentemente imparcial pelo título do Ipea – Comunicação da presidência, adotado no início deste ano. Desta vez esqueceram de falar dos excluídos (amparados pelo Bolsa-Família) e do preço da cesta básica, 13 produtos, do Dieese, quantidade de alimento que cada adulto consume por mês. Nem do salário médio do brasileiro, de R$ 1,2 mil mensais, se toda a riqueza nacional fosse distribuída equitativamente para cada brasileiro. Também deixaram de mencionar que há mais de 17,5 milhões de aposentados que recebem salário mínimo, e da renda média do brasileiro, de R$ 600,48 mensais, segundo informa o secretário de Previdência Social, Helmut Schwarzer (27/7).

De outras vezes, quando ainda não estava sob o poder de um petista, o Ipea sempre se referia que o capitalismo não é homogêneo. Funciona com ou sob rupturas e crescimento nada tem a ver com desenvolvimento. E muito menos com a cruel desigualdade social, pois o Brasil ocupa o terceiro lugar de desigualdade no ranking mundial. Isso naturalmente exclui mais de 90 milhões de brasileiros (população de 190 milhões de habitantes). É com base nessa distorção que se pode dizer, repetindo Celso Furtado, que a “economia nacional comporta vida digna para apenas um terço da população".

Do mesmo modo, seria desonesto afirmar que o Brasil não retomou o crescimento, de 1990 a 2006 – governos Collor, Itamar (Plano Real em 1994), Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. A modernização não implica desenvolvimento integrado, pois o Brasil ainda não conseguiu cumprir as metas de segurança alimentar das Nações Unidas (ONU), ou seja, reserva de uma tonelada de grãos por cada habitante/ano, embora seja um dos protagonistas da exportação do agronegócio. Muitos especialistas reafirmam que a grande derrota social foi não ter feito a reforma agrária, como se pode ler no relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Agrária (GTRA), assinado pelo ex-senador Milton Campos, a pedido do presidente Jânio Quadros (renunciou em 25/8/1961). Com a crise que abala os Estados Unidos (a questão imobiliária e a queda do dólar), a globalização começa a dar sinais de fadiga. Muitos que assinaram o Consenso de Washington agora reconhecem que o Estado não pode deixar tudo correr por conta do mercado rentista. A distribuição da riqueza ainda capenga no Brasil. A menos que o Ipea e a FGV consigam uma fórmula para salários tão baixos operarem mil milagres na casa de milhões de famílias que recebem até dois salários. É por isso que o presidente Lula reconhece os feitos dos governos do regime militar, especialmente quando elogia o 2º Plano Nacional do Desenvolvimento Econômico do governo Ernesto Geisel (1974-1979), que, segundo Lula, incentivou a industrialização nacional e, com ela, alcançou avanço qualitativo no programa de substituição de importações.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é boa proposta. Mas só programa não opera o milagre de realizar obras. Nunca neste país tão poucos (bancos e grandes negócios) ganharam tanto dinheiro. Que venham as reformas política, tributária e social, para que o Brasil se democratize realmente e se liberte dos messianismos que o assaltam desde a proclamação da República. É bom repetir que a tecnologia é apenas um auxiliar da acumulação. Mais de 250 mil pessoas ficaram ricas de 2003 até hoje. Vivemos sob a tirania da lógica do mercado, que só produz para quem tem muito dinheiro para gastar. Schwarzer informa que 68,4% dos aposentados e pensionistas recebem até um salário mínimo (R$ 415), ou seja, 17,5 milhões dos 26,6 milhões de beneficiários (www.previdência.gov.br).

A Goldman Sachs (EUA) profetiza: em 2050, nove países (Egito, Indonésia, Vietnã, México, Irã, Filipinas, Brasil, Índia e China) devem somar 60% do PIB mundial. A diferença: a média global da classe média tem renda de US$ 6 mil a US$ 30 mil. O sociólogo Adalberto Cardoso, do Iuperj (Rio), pergunta se quem ganha R$ 1.060 mensais pode ser enquadrado como classe média.

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